quarta-feira, 24 de junho de 2009

Velhos Caretas



Velhos caretas
Lucia Sauerbronn
Bebê dá muito trabalho. Troca o dia pela noite, tem dor de barriga, de dente, de ouvido. Faz cocô nos colos mais impróprios. Ninguém se importa. Pelo contrário, não cansam de elogiar aquela gracinha que tem os olhos da vovó, o furinho no queixo do vovô, a bochecha do papai, a boca da mamãe e que, por tudo isso – ou mesmo que não seja nada disso –, é o bebê mais lindo do mundo.
Todo dia ele aparece com uma novidade. A família comemora o primeiro de tudo: sorriso, dente, abraço, passo, palavra... Mas o bebê logo se torna independente e começa a fazer arte pela casa. Quebra vaso, mastiga remédio, engole moeda, derruba detergente no olho. A família inteira corre pro pronto-socorro. Quase sempre é só susto. São e salvo, o pimpolho ganha milhões de abraços e beijinhos. Mas ninguém lembra de agradecer ao anjo da guarda esforçado.
Encantados com o milagre de gerar a vida, os pais prometem ser compreensivos e cuidadosos. Mesmo esgotados com a energia de pilha duracell dos baixinhos, jamais perderão a paciência. Serão os melhores pais do mundo. Não vão repetir erros dos próprios pais.
Mas criar filho direito dá um canseira danada. Tem que acompanhar a lição, comparecer às reuniões da escola, ao jogo de futebol, à apresentação de balé, ensinar as diferenças entre certo e errado, ser carinhoso na medida certa e duro na hora que importa. Abraçar, beijar e fazer as vontades, mas também dar bronca e pôr de castigo. Mesmo que seja para depois morrer de culpa com medo de ter exagerado.
Até completar uns dez anos, crianças são sempre maravilhosas. Enquanto descobrem o mundo, fazem as perguntas mais desconcertantes. Aos 13, são perfeitos pestinhas. Mas como somos seus heróis, perdoamos todas as travessuras e malcriações.
Porque o pior está por vir. E o pior – argh! – atende pelo nome de adolescência. Aquele que, até outro dia, era nosso doce bebê se recusa a tomar banho. Se for menina, ao contrário, não sai da frente do espelho. Passa o dia trancado no quarto, com o som tão alto que é capaz de o vizinho chamar a polícia. Não desgruda da turma, que a qualquer momento pode invadir a casa e esvaziar a geladeira.
Nosso ex-doce bebê fica horas na internet. A conta do celular pode sustentar uma família inteira. Só veste o que quer. E o que quer nos causa arrepios. Acha que é dono do próprio nariz. E – por que não? – do mundo. Aquela criança esperta, que aprendia depressa, agora passa de ano aos trancos e barrancos. Há sempre alguma coisa mais interessante para fazer do que estudar. Não nos convencem. Batemos pé firme: a escola é que vai garantir o seu futuro.
Os perigos estão sempre rondando e tiram o sono de qualquer pai: drogas, bebida, violência, internet, sexo precoce, gravidez fora de hora. O adolescente, ao contrário, não tem medo de nada. Acha que é imortal como um super-herói. E que problemas só acontecem com os outros. Tenta agir como adulto e adora conversar, desde que não seja com um adulto de verdade. O que nos exclui de qualquer espécie de diálogo.
Ricos ou pobres, trabalhamos feito loucos para pagar suas contas. Seja para alimentar aquela fome insaciável ou comprar material escolar, o tênis que ficou pequeno, a calça da moda, o videogame, o cinema, a balada e até o presente do ficante (porque hoje eles não namoram: ficam).
Ultrapassados como um carro fabricado nos anos 60, passamos a ser os piores pais do mundo. Somos criticados pelo modo de falar e vestir. Nossas opiniões já não têm valor. Conselhos, então... Humilhados, ainda temos de pedir ajuda aos espertinhos para ligar o DVD, gravar a agenda no celular e acessar a internet emperrada.
Até que encontram trabalho ou vão para a faculdade. Se tivermos sorte, as duas coisas juntas. E assumem novos ares. Conquistam vitórias no emprego. Mudam de cidade ou só aparecem para dormir. A casa fica vazia. Silenciosa.
Um dia aparecem com alguém que fazem questão de apresentar. Os pais se entreolham como se, naquele momento, percebessem que seu bebê virou adulto de verdade. Se tudo correr bem, mais dia, menos dia, ele vai casar ou morar junto, não importa. O que importa mesmo é quando ele anuncia que vai ser pai. O que nos transforma imediatamente em avós.
E, como todos sabem, avós são infinitamente melhores que pais.
De uma hora para outra, meninos e meninas danados assumem o ar severo de quem se ocupa em criar a próxima geração. E próxima geração quer dizer bebês que trocam o dia pela noite, têm dor de barriga, de dente, de ouvido, fazem cocô nos colos mais impróprios. Encantados com o milagre de gerar a vida, nossos filhos prometem ser os melhores pais do mundo. E de fato são. Iguaizinhos a nós, que fomos iguaizinhos aos nossos pais, que foram iguaizinhos aos nossos avós, que foram iguaizinhos...
E nós, velhos caretas? O que podemos fazer, se o mundo muda o tempo todo, mas continua sempre igual?
Bem, disfarçando um sorrisinho irônico, abrimos a porta de casa e deixamos aqueles deliciosos pestinhas fazer todas as diabruras e travessuras que desejarem.
Crônica publicada na Coop Revista - Maio / 2.007

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