quinta-feira, 25 de junho de 2009

Igualdade feminina



Igualdade feminina
Lucia Sauerbronn
Entretido com o desfile que passava na TV da plasma do shopping, meu marido nem reclamou do tempo que demorei para comprar um par de meias. Estava entusiasmadíssimo com a grande sacada do estilista:
- Olha só! Ele trocou aquelas modelos magrelas por mulheres maravilhosas. O desfile está demais, as roupas caem muito melhor em cima dessas curvas!
Curvas?, estranhei. Desde quando modelos de 1,75 m e 45 kg têm curvas? Pelo que via, aquelas eram as mesmas modelos de sempre. A diferença é que a TV de plasma era tão grande que distorcia a imagem uns 30% na largura. As mulheres por quem ele babava continuavam a ser modelos anoréxicas de três arrobas. Só que, com 30% de gordura virtual, pareciam adolescentes magras de 1,75 m e 60 kg!
Não adiantou meu esforço para ele cair na real. Distraído, meu marido pode ser. Mas de bobo não tem nada. Liberou o cartão de crédito e sugeriu que eu fosse dar mais uma voltinha no shopping.
Suspirei e fui destilar a amargura na livraria, olhando revistas femininas. Havia uma centena delas. Achei esquisito não encontrar nenhuma cantora ou atriz famosa nas capas. Pelo contrário, as mulheres pareciam iguais, como se tivessem saído de uma linha de produção de bonecas. De idade indefinida, todas tinham pele lisinha, sem rugas, pés de galinha, manchas, espinhas, marcas de expressão. Os corpos eram perfeitos, nenhuma gordurinha localizada, estria, celulite... Apesar da cinturinha de pilão e pele de pêssego, consegui reconhecer Hebe Camargo. Pelo tamanho das jóias!
Fiquei deprimida. Pensei no tempo que gasto todas as noites para limpar, tonificar, nutrir e hidratar a pele. Meu primeiro impulso foi correr até o banheiro e atirar pela janela todos os potes de creme da pia. Abrir a geladeira, encher a cara de bolo de chocolate, sorvete, chantilly e deixar o tempo fazer seu trabalho.
Era covardia. Nem com litros de botox, centenas de injeções de colágeno e aplicações de laser; mesmo que me alimentasse só de alface e água, varasse as noites malhando na academia e entregasse o corpo aos melhores cirurgiões plásticos do mundo, nunca mais me atreveria a sair de casa se não fosse de burca.
Antes que tivesse tempo de morrer sufocada pela inveja, lembrei que, desde que aquela jogadora de basquete de beleza duvidosa arrasou nas páginas da Playboy, não se pode confiar em fotografias. Um cliquezinho de mouse aqui, outro ali, os computadores conseguem eliminar até papada de atriz veterana na novela das oito.
Acho que a tecnologia é legal. Televisão vive de imagem. E, se eles encontraram um modo de dar uma mãozinha à natureza, vá lá. Mas e nós, pobres mortais do sexo feminino, seremos obrigadas a nos recolher diante da nossa humilde condição precária diante do espelho?
Somos de carne e osso (ainda que nem sempre nas melhores proporções). A comparação é injusta e nos transforma num bando de mulheres em busca de uma auto-estima que não está na balança nem na mesa de cirurgia.
Hoje, qualquer adolescente vive infeliz porque descobriu uma ruguinha, uma sombra de celulite, e daria qualquer coisa para emagrecer 15 quilos. Até as famosas pelo corpo escultural, em busca desse tal padrão de beleza, perderam as curvas. E o interesse dos homens.
Como se já não bastassem as próteses de silicone, a chapinha e as lentes de contato, a medicina estética anuncia a descoberta de pílulas para eliminar gordura e tratamentos com células-tronco, que tanto podem mudar o formato do quadril como barrar o processo de envelhecimento. Dentro de alguns anos vamos ser todas iguaizinhas à Barbie!
Olhei para o meu marido sentado no banco diante da TV. Meia dúzia de marmanjos espiava o desfile. Para eles, não fazia a menor diferença se aquelas mulheres de proporções perfeitas eram obra divina, distorção de imagem ou resultado da mais alta tecnologia em computação gráfica. E nem isso seria motivo para abandonar as próprias mulheres e suas imperfeições. Cabeça de homem não vê estria, vê fantasia. Baixinha, gordinha, dentuça, até a Mônica tem seu Cebolinha.
Crônica publicada na Coop Revista - Agosto / 2007

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