quinta-feira, 25 de junho de 2009

Macacos e homens




Macacos e homens
Lucia Sauerbronn
Na Tailândia, os plantadores de coco usam macacos para fazer a colheita. Eles dão conta do recado direitinho e nem precisam de ferramentas. Em troca de algumas bananas, giram o fruto até quebrar a haste e ainda se divertem atirando os cocos lá de cima. Parece que a prática é antiga. E tão eficiente que os agricultores decidiram utilizar a técnica para colher mangas, mas não deu muito certo. Delicadas, as mangas devem ser retiradas no ponto certo para amadurecer e, se atiradas do alto, ficam imprestáveis para o consumo. Como a tarefa é mais complexa, o pagamento com bananas não fez o mesmo efeito. Quando um macaco mais esperto conseguiu retirar a fruta certa, o plantador ficou tão feliz que, para comemorar, abraçou o bicho. Na mesma hora, ele subiu na árvore e pegou outro fruto – do jeitinho do primeiro – e voltou para buscar um novo abraço. Hoje, a produção de mangas da Tailândia é colhida em troca de abraços e todos estão rindo à toa. Macaco não quer só comida. Também quer amor, diversão e arte. Faz sentido.
Uma vez assisti na TV um programa científico que mostrava uma experiência com macaquinhos. Havia três grupos deles. No primeiro, os filhotes foram deixados com a mãe. No segundo, a mãe era substituída por uma espécie de robô. Os do terceiro grupo viviam sozinhos, alimentados por uma mamadeira presa às grades. Os macaquinhos criados com a mãe eram sadios e alegres. Os do segundo grupo cresceram enroscadinhos entre si, grudados no pescoço do robô. Já os outros tornaram-se solitários, tristes e agressivos. Ficaram doentes e, depois de algumas semanas, apenas um sobreviveu.
Quando vejo crianças vendendo balas ou pedindo dinheiro nos faróis, acredito que eles acabam, de uma forma ou de outra, se alimentando. Por uma questão pessoal, ao invés de dar uns trocados, prefiro conversar. Pergunto da escola, da professora, de que matérias mais gostam. Elas abrem um largo sorriso e começam a contar que preferem matemática ao português, e até confessam que querem ser médicos ou professores quando crescerem. Se não estudam – e olha que são poucos, pois quase todos têm família – vou logo falando da importância de pensar no futuro. Dizem que me arrisco. Pode ser. Sei que é pouco, muito pouco. Mas acho que essa relação rápida e afetiva faz bem para mim e para eles, que conversam comigo até o farol abrir e depois me dão tchau, felizes como se tivessem sido abraçados.
Nunca recebi uma resposta agressiva, nem eles insistiram para que eu comprasse balas ou exigiram moedas depois. Uma vez, num congestionamento, bati um longo papo com dois meninos muito simpáticos e espertos. No final, quis comprar as balas que vendiam mas, consultando a carteira, encontrei apenas uma nota de cinqüenta. Como que para pedir desculpas, abri a carteira e levei a maior bronca. Eles me aconselharam a nunca mais mostrar que tinha dinheiro, pois corria o risco de ser assaltada. E me deram a caixinha de balas de presente. Não tive coragem de rejeitar. Saí de lá com a sensação de que devia a eles muito mais que um punhado de balas.
Dizem que os seres humanos são meio aparentados com os macacos. Não sei quem puxou a quem, mas nós também somos capazes de fazer qualquer coisa por um chamego. Mesmo alimentados, bebês choram pedindo colo. Maiorzinhos, se não têm atenção, fazem birra. Adolescentes, fazem barulho. Adultos, tornam-se arredios ou chatos. Se alimento fosse tudo, as pessoas que comem três vezes por dia seriam felizes, equilibradas e saudáveis. Apenas os famintos cometeriam crimes, ultrapassariam sinais fechados e brigariam pelo controle remoto da TV. Mas não é bem assim. Os macacos estão certos. Na maioria das vezes, tudo o que precisamos é de um abraço. Artigo que se torna cada vez mais raro que um prato de comida.
Na Tailândia, a colheita de mangas pelos bichinhos é um sucesso. Mas nunca será tão simples quanto a de cocos. É que, embora os macacos andem fazendo fila atrás de uma vaga no serviço, eles rejeitam abraçadores profissionais. Preferem aqueles que se mostram sinceramente agradecidos por seu desempenho.
Crônica publicada na Coop Revista - Outubro / 2000

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