quinta-feira, 25 de junho de 2009

Eu juro que é melhor





Eu juro que é melhor
não ser o normal
Lucia Sauerbronn
– Olha 2008 aí, gente!
Nem estourei o champagne para comemorar o ano novo e já comecei a ouvir os batuques anunciando o carnaval. Que desta vez vai ser logo no começo de fevereiro. Ou seja, praticamente amanhã. O que nos coloca mais próximos da Páscoa, que é pouco antes do Dia das Mães. E do meu aniversário.
De novo? Pode ser que eu esteja confusa, mas parece que quanto mais os anos passam, mais depressa eles passam. Não foi no mês passado que brindei 2007? Sei que sou distraída, mas nem tanto. O que foi que eu fiz nos outros 11 meses do ano que passou?
O médico me tranquilizou: 80% das atividades de um adulto são pura rotina. Mesmo que exijam movimentos complexos, como dirigir entre malucos no trânsito, a maior parte a gente faz sem prestar atenção. O perigo é que, ligado no piloto automático, o cérebro fica preguiçoso e com o tempo começa a esquecer coisas importantes. Como a panela que deixei no fogo a noite inteira.
Para me defender do risco de incendiar a casa, ele disse que eu precisava pôr meus neurônios para malhar. Segundo ele, a neuróbica – aeróbica dos neurônios – é a nova técnica da medicina para combater a falta de memória e afastar o Mal de Alzheimer. Explicou ainda que a doença não é um mal moderno. Só que, antigamente, as pessoas morriam antes de apresentar seus sinais. Com tantos meios de diagnosticar doenças, minha geração deve chegar aos cem anos contando piadas. O problema é chegar lá contando sempre a mesma piada.
Fiquei tão animadinha que corri comprar um livro que ensina como manter o cérebro vivo. Os autores explicam que as células nervosas são capazes de se multiplicar quando exercitadas. Por isso, a primeira coisa a fazer é deixar a preguiça de lado e pôr as vagabundas em movimento. Imaginei aqueles meus pobres neurônios cansados saltitando cheios de energia. Quem sabe, enquanto faziam musculação, começassem a conversar e se entender melhor.
Para ativá-los, é preciso mudar comportamentos mecânicos. A idéia principal é fazer tudo ao contrário. Estou seguindo à risca todos os conselhos. Passei a usar relógio no braço direito, me vestir de olhos fechados, andar de costas e experimentar novos sabores. Os exercícios sugeridos incluem olhar fotos de cabeça para baixo, ir ao trabalho por novos caminhos, trocar de lugar na hora das refeições. Para manter o cérebro ativo, é preciso evitar o comodismo, ter novas sensações corporais, táteis, auditivas, gustativas, visuais, adquirir um novo estilo de vida e modo de pensar.
No começo, achei um pouco difícil. Mas logo me entusiasmei e levei os treinos tão a sério que inventei outros exercícios por conta própria. Por exemplo, troquei o dia pela noite. Agora durmo enquanto todos trabalham. Janto, portanto, quando os outros almoçam. Como a sobremesa antes do prato principal. Mas não tem importância, já que coloco sal no bolo e açúcar no feijão. Trabalho no fim de semana e folgo nos outros dias. E quando vou trabalhar, pego o caminho do cinema. Leio o jornal de ontem no lugar do de hoje. Isso me dá a sensação de que estou sempre um dia mais jovem.
De vez me atrapalho um pouco, mas acho que é parte do jogo do fazer diferente. Já coloquei a forma de gelo no microondas, passei condicionador de cabelo no rosto, escovei os dentes com creme de barbear, fui às compras com um pé de cada sapato. Mas os saltos eram do mesmo tamanho.
Também voltei a contar piadas. Começando do final, é claro. Tenho tentado explicar a importância da neuróbica para as pessoas, mas nem todas compreendem. Os guardas de trânsito, por exemplo: vivem me multando porque ando na contramão e troco o sinal verde pelo vermelho!
Uma coisa é certa: nunca me diverti tanto! Só estou preocupada com meu marido e meus filhos, que andam muito estressados. Eles insistissem em me levar ao médico, achando que estou exatamente com a mesma doença que aprendi a evitar.
Crônica publicada na Coop Revista - Janeiro / 2008

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