quinta-feira, 25 de junho de 2009

O barato dos livros de auto-ajuda



O barato dos livros de auto-ajuda
Lucia Sauerbronn
Depois que descobri os livros de auto-ajuda parei de fazer análise e me entupir de pílulas contra a insônia. Esses manuais são um santo remédio para crises existenciais, angústia, rejeição, timidez e medo. Não é à toa que andam vendendo mais do que Viagra. Eles ensinam a usar o poder da mente para alcançar sucesso, dinheiro, felicidade, fazer amigos, tornar-se uma fera na cama, conquistar um grande amor, viver um casamento perfeito, criar filhos inteligentes, conviver com a sogra e ensinar o cachorro a parar de fazer xixi no tapete.
Confesso que nunca fui de acreditar em fórmulas mágicas. Mas, depois descobri o segredo, passei a me concentrar fortemente nos meus desejos. Minha vida mudou completamente. Não tinha idéia do poder do pensamento positivo. Por exemplo: mesmo dirigindo atrasada, agora não me abalo diante de um farol vermelho. Fixo o pensamento na cor verde e segundos depois, o sinal se abre. É impressionante!
Esses autores iluminados escrevem cada coisa que, confesso, me tornei dependente. Aprendi a controlar o stress, combater a depressão, a tristeza, a insônia, a solidão, o mau-humor. Não passo um dia sem visitar a livraria. Fico horas na sessão de auto-ajuda conferindo os lançamentos. Para cada problema há uma dezena de livros apontando a solução.
Minha auto-estima, por exemplo. Melhorou muito com a neurolinguística. Quando olho no espelho e acho que envelheci, repito bem alto que estou cada dia mais jovem e mais bonita. Até meus cabelos brancos desapareceram, depois que troquei pensamentos negativos por ações positivas. Descolori de vez os fios e agora sou loira e feliz.
Nas crises de baixo-astral, ergo os braços bem alto para absorver a energia cósmica. Demora uns trinta minutos, porque o universo é muito grande e distante. Sinto sua força invadir meu corpo quando os braços começam a formigar.
Os livros também explicam direitinho que, para ficar rico, ninguém precisa acertar sozinho a mega sena. Precisa é pensar como os ricos. Agir como os ricos. Usar a força do subconsciente para acionar a lei da atração, acreditando firmemente que suas dívidas são lucros.
Para enriquecer em família, um futuro milionário deve começar convencendo a mulher e os filhos da necessidade de fazer sacrifícios. Como, por exemplo, passar três anos a pão e água. Diante das tentações da mesa, devem imaginar o sabor de todas as delícias que poderão comer à vontade quando se tornarem ricos.
Confesso que achei mais fácil realizar os doze trabalhos de Hércules do que seguir os sete hábitos das pessoas altamente eficazes. Em compensação, descobri que para subir na carreira basta meditar como um monge, ter o entusiasmo de um adolescente que dá o primeiro beijo, estar preparado para enfrentar os desafios, ser um guerreiro criativo, flexível e ágil. Um bom profissional precisa ter, acima de tudo, capacidade para superar as adversidades, como concordar com as ordens estúpidas de um chefe incompetente, aturar um diretor chato e dominar a raiva diante do colega folgado que é sobrinho do patrão. Para garantir, é bom estudar chinês e fazer MBA.
O problema dos livros de auto-ajuda é que eles são tão numerosos que fico confusa na hora de escolher um título. Os livreiros deveriam ajudar, reunindo os livros por tema. Dava para fazer uma seção só de títulos como “O que aprendi com...”: o meu carteiro, os caiapós, o lápis, minha mãe, o Roberto Jefferson, a Bruna Surfistinha, os gansos, os pingüins.
E as baratas? Ninguém ainda falou sobre as baratas? Puxa, elas são a síntese de tudo o que aprendi com os livros de auto-ajuda. Um verdadeiro exemplo de adaptação e superação.
A barata pode ficar até uma semana sem se alimentar. Como tem pequenos cérebros espalhados por todo corpo, vive sem cabeça e só morre de sede em uma semana. Jogar no vaso sanitário não resolve: seu fôlego dura 40 minutos. Gatos que comem baratas morrem de toxoplasmose. Inseticidas são eficazes para matar a barata, mas não seus ovos. Seus baratinhos vão nascer resistentes ao veneno.
As baratas enfrentaram todas as alterações sofridas pela Terra nos últimos 300 milhões de anos. Os dinossauros desapareceram, mas as danadinhas não. Baratas podem comer qualquer coisa, até lixo atômico e sobreviverão ao apocalipse. Para matar uma barata, só com uma chinelada daquelas de espalhar meleca para todo lado.
Os autores de auto-ajuda estão ganhando uma grana preta. Acho que estou desperdiçando talento. Vou escrevrer um livro chamado “O que aprendi com as baratas”. Vou fazer o maior sucesso. Ficar milionária, virar celebridade, dar palestras, seminários, cursos, work-shops. Quem sabe, até consultoria para a indústria de inseticidas. Afinal, as baratas são a síntese de tudo o que aprendi com os livros de auto-ajuda.
Crônica publicada em Abril / 2008

3 comentários:

  1. Que fantástico este texto.
    A silenciosa ironia me fascinou.
    Parabéns!
    Para situar a pessoa que comenta:
    Dividimos a mesa, você e sua família com a minha no casamento do Alexandre, creio que foi no Piazza Demarch em 2002.
    E a pouco tempo numa reunião do Lions em Santo André.
    Abraços.
    Prof. Ricardo Galhardo Blanco
    gblanco@terra.com.br

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