segunda-feira, 22 de junho de 2009

Oba!


Oba!


Lucia Sauerbronn


Com a crise rondando o travesseiro, minhas noites têm sido tumultuadas. Tento dormir, mas as notícias do jornal da noite continuam ribombando na minha cabeça. Essa história de colapso financeiro mundial ainda vai acabar comigo. Levanto feito zumbi e vou conferir os jornais à procura de boas novas. Fico gelada ao ler as manchetes. Depois que os Estados Unidos dormiram bilionários e acordaram miseráveis, tudo pode acontecer. Profetas do fim do mundo, os economistas fazem previsões sinistras: em 2009, a China vai crescer só 9% e a Índia apenas 7%! A venda de bolsas Chanel pode cair pela metade. Prevendo queda na produção, a Ferrari deve demitir funcionários. Mas não são só os franceses e italianos que estão desesperados. Os ingleses compraram ações dos bancos americanos e faliram junto com eles. A crise está tão brava que dizem que a rainha anda pensando em penhorar a coroa de diamantes. E os Estados Unidos, então, coitados! O corte de despesas será tão drástico que eles vão ser obrigados a acabar com a guerra do Iraque. Além de sofrer com a queda dos impostos da indústria de armamentos, milhares de jovens soldados vão perder o emprego. O pior é nós, que não temos nada a ver com o mercado imobiliário americano, já sentimos a crise respingar na nossa cabeça. Se tem tempestade no Primeiro Mundo, o Terceiro afunda na lama. Nem bem o Brasil descobriu o pré-sal, o preço do petróleo foi para as cucuias, junto com nosso sonho de virar magnatas. Pobres americanos! Desde a queda da bolsa de 1929 eles não sabem o que é crise financeira. Nós, não. Tivemos que aprender a sambar miudinho para acompanhar o ritmo da inflação brasileira. A coisa começou a ficar feia com a construção de Brasília, na década de 50. Depois, vieram obras faraônicas, como a Transamazônica, pontes, escolas, hospitais, tudo feito com empréstimo estrangeiro. Quando apresentaram a conta, a dívida externa era coisa de doido e, por causa dela, teve ano em que a inflação bateu os 1.000%. Para brecar a inflação, de 1986 a 1995 o Brasil amargou sete planos econômicos: cruzado, cruzado II, Bresser, plano verão, plano Collor, Collor II... Era tanto plano que faltava até criatividade para dar nome às moedas, que viviam perdendo três zeros: cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeiro (de novo), cruzado, cruzado novo, cruzeiro (parecia nome de filme: cruzeiro, o retorno), cruzeiro real, até chegarmos de volta ao começo: nossa primeira moeda, na época do Brasil colônia, se chamava real. Era um tal de congela/descongela preços e salários: uma hora sobrava dinheiro e faltava o que comprar, noutra, sobrava produto e faltava dinheiro. O Plano Collor confiscou nossa poupança e todo brasileiro passou o mês com 50 cruzeiros. Nosso vocabulário era feito de palavras como superávit primário, indexação, ajuste fiscal, flutuação do dólar, âncora cambial. Aprendemos a fazer de cabeça contas complicadas, quando 2.750 cruzeiros reais passaram a valer 1 real, que dava para comprar um dólar... E não é que dava certo? Agora que nós, aqui do lado de baixo do Equador, começamos a aproveitar o bem-bom da estabilidade financeira, me aparecem esses gringos para acabar com nosso sossego. Chegam anunciando colapso da economia, derrocada financeira, anos negros, que o mundo faliu. Alguém se preocupou quando nós é que estávamos falidos? Eles que são ricos que se entendam. Sabemos tudo sobre crise. Somos professores de crise. Podemos dar aulas aos economistas do apocalipse. Quer saber? Nada pode ser pior do que tudo o brasileiro já passou. E tem mais: essas notícias estão me dando um stress danado. Ligo a TV num programa rural. Fico sabendo que o café valorizou 8,25%, o Brasil vai produzir 200 mil sacas de soja resistente à ferrugem, a agricultura aposta em produtos orgânicos, os peixes criados em cativeiro vão se alimentar de microalgas naturais ricas em ômegas 3 e 6, que animais silvestres em extinção já convivem com a lavoura e voltam a reproduzir normalmente. Vendemos soja, café, gado. Com a crise lá de fora, os países ricos talvez deixem de comprar nossos produtos. Mas temos muitos brasileiros a alimentar. Com maior oferta de alimento, a comida vai ficar mais barata e vamos consumir mais. Com mais consumo, teremos mais trabalho e, com trabalho, mais dinheiro para comprar roupas, casas, móveis, automóveis que vão fazer crescer nossa indústria, que vai gerar novos empregos, que vão... Jogo o jornal no lixo. Agora só vou ler o suplemento agrícola, que tem notícia boa. Tchau, baixo astral!

Crônica publicada na Coop Revista - Fevereiro / 2009

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