quarta-feira, 24 de junho de 2009

Tudo pelo visual



TUDO PELO VISUAL
Lucia Sauerbronn
Toda mulher sabe que, a partir de uma certa idade, o espelho é seu pior inimigo. O meu, que não é mágico como o da Rainha Má da Branca de Neve, anda mostrando que os potes de creme já não surtem o efeito desejado contra a lei da gravidade, que ensina que tudo cai.
Antes de recorrer a uma plástica radical, encontrei numa revista a solução menos drástica para atenuar minhas marquinhas impertinentes. A partir dos estudos de Leonardo Da Vinci sobre anatomia, uma americana desenvolveu uma série de exercícios para amenizar os traços do tempo, com o sugestivo nome de ginástica facial. Que maravilha! Nem precisaria ir à academia, dava para fazer os exercícios em casa mesmo.
Segundo o texto, o objetivo da ginástica facial é fortalecer e tonificar os 33 músculos do rosto, que, relaxados, tornam a expressão mais suave. Bastava completar o programa de rejuvenescimento com o cuidado de não enrugar a testa ao ficar preocupada, não franzir os olhos diante da luz e procurar sorrir apenas levemente, mesmo diante da piada mais engraçada. Eureka! Aquela matéria desvendava um enigma que há cinco séculos vinha intrigando estudiosos das Artes e Ciências: o sorriso da Mona Lisa. Ao ser imortalizada na tela pelo velho Leo, Gioconda apenas obedecia aos seus ensinamentos: para ser eternamente jovem é preciso manter a expressão calma e serena.
Entusiasmada com a descoberta, segui lendo a matéria, procurando diante do espelho memorizar cada exercício: “Para prevenir e corrigir pálpebras inchadas, suavizar pés-de-galinha e evitar a retração do globo ocular, erga as sobrancelhas, arregalando os olhos até ver o branco acima da íris. Fixe o olhar num ponto e permaneça nesta posição, sem piscar, até olhos arderem. Gire devagar o globo para a direita, depois para a esquerda. Feche os olhos, apertando-os bem. Erga as sobrancelhas, esticando as pálpebras o máximo que conseguir”.
Até que não era difícil. Se surtisse efeito, em pouco tempo acabaria com aquele ar de quem passou a noite na farra, mesmo depois de dormir 8 horas. Fui para o segundo exercício: “Para evitar flacidez das maçãs do rosto, cantos da boca caídos e suavizar as rugas que vão do nariz até a boca, abra-a o máximo que puder, como se estivesse dando uma gargalhada. Force os cantos da boca para cima. Tente fazer um sorriso ainda maior enquanto diz cinco vezes: ‘rá rá rá’”. Fiquei parecida com o Curinga do filme Batman. Soltei a voz numa gargalhada, me sentindo um pouco ridícula. Desfiz rapidamente a máscara do riso e parti para o passo seguinte:
“Para suavizar as rugas verticais em torno da boca e tonificar a musculatura dos lábios, coloque uma rolha entre os dentes na posição vertical e force o lábio superior em direção ao inferior, tentando juntá-los. Tome cuidado para não formar rugas verticais em torno da boca durante o exercício. Deixe que os lábios voltem à posição normal, escorregando através da rolha.”
Tentando desengasgar, pensei em escrever uma carta à redação, alertando que seria melhor avisar as leitoras de que a rolha pode escorregar na direção contrária, o que não surte o menor efeito em favor das rugas. Expressões de dor e desespero são inúmeras vezes mais perniciosas que as de alegria, coisa que ninguém, em sã consciência, sentirá ao tentar remover a rolha entalada na garganta.
Refeita, segui adiante: “Para prevenir e evitar queixo duplo e flacidez na mandíbula, coloque a língua esticada no céu da boca, abra e feche a boca devagar, com a língua na mesma posição”. Essa era fácil. Finalmente, “para prevenir e suavizar as rugas verticais e horizontais da testa e o caimento das sobrancelhas, testa e pálpebras, franza as sobrancelhas o máximo que puder (como se estivesse preocupada). Erga-as e abra os olhos até ver o branco da íris. Repita cada exercício cinco vezes”.
Eu estava tão entretida em seguir à risca cada movimento que nem percebi que era observada pela família, reunida na porta do quarto. Diante do ar estupefato dos homens da casa, tentei explicar que, de modo algum, a culpa era deles. Dizer que me deixavam louca com suas exigências era força de expressão. Eu estava fazendo apenas alguns exercícios para não ficar enrugada.
Decidida a não traumatizá-los, achei melhor não fazer os exercícios em casa. Mesmo vaidosa, uma mulher jamais deve pôr em risco a sanidade da família. No dia seguinte, encontrei a solução: gasto meia hora para ir e vir do trabalho. Por que não aproveitar melhor esse tempo desperdiçado nos semáforos e congestionamentos e fazer caretas diante do espelho retrovisor?
Como aluna aplicada, faz um mês que repito diariamente as sessões de ginástica facial através das ruas e avenidas da cidade. De vez em quando alguém me olha espantado. Principalmente quando chego naquela parte do “rá rá rá”. Mas descobri que, no meio do trânsito caótico, um maluco a mais não faz a menor diferença.
Crônica publicada na Coop Revista - Setembro / 2.008

Nenhum comentário:

Postar um comentário