quarta-feira, 24 de junho de 2009

Mulheres Adulteradas



Mulheres adulteradas
Lucia Sauerbronn
Perdi um tempão limpando a caixa de e-mails. Tá certo. Tem coisa legal. Mais ou menos uns três por cento. O resto é lixo eletrônico. Odeio aqueles com letrinhas que caem em conta-gotas. Fico socando a tecla enter para ver se a frase aparece de uma vez. Não resolve nada. Sou obrigada a ler no ritmo que o outro quer. É a ditadura do e-mail!!! Já pensei em entupir a caixa de mensagens desses chatos de plantão com mensagens mais chatas ainda. Mas vai que eles gostem...
Outra coisa que me deixa possessa são aquelas ligações nos momentos mais impróprios para oferecer serviços e produtos que não, eu não desejo, não preciso e tenho raiva de quem... Enfim. Para evitar um ataque de nervos, passei a pedir o telefone do inconveniente e aviso que ligo mais tarde. Sabe o que eles respondem? Que não estão autorizados a receber ligações. E quem foi que deu autorização de ligar para mim?
Pior é tentar falar com uma dessas centrais de atendimento eletrônico. Depois de digitar até o número da carteira de identidade da minha mãe, eles atendem e perguntam tudo de novo. Cáspite! Eu não acabei de fornecer até a data de nascimento do papagaio?
E o trânsito? E o trânsito? Você lá, andando sossegada e tem sempre um perturbado na sua frente. Estaciona em lugar proibido, anda a 20 por hora, bate papo no celular. Isso quando não aparece um maluco de motocicleta achando que tem prioridade de ambulância.
O elevador é outra praga. Nunca está lá quando eu chego. Se estou em cima, ele está embaixo. Se estou embaixo, ele está em cima. Parece que adivinha que sou eu.
Agora, o que me tira mesmo do sério é aquela maldita torneira pingando. Noite e dia, dia e noite. Cansei de pedir para o meu marido chamar o encanador. Mas ele não está nem aí se seu não consigo conviver com aquele barulhinho irritante. Se eu fosse namorada, não mulher, a porcaria da torneira já estaria consertada faz tempo. Ainda se ele soubesse trocar o diabo do courinho, mas quê!, ele não troca uma lâmpada em casa! Tenho eu que subir na escada, com risco de cair e me machucar toda. Quem sabe, sofrer traumatismo craniano e passar a vida entrevada numa cama de hospital. Ou até morrer! Ah, mas vai ver que é isso o que ele quer, seria um jeito bem fácil de se livrar de mim. Deve estar cansado da minha cara.
No mínimo, o mal-agradecido tem outra. Bem mais nova. Ele pensa que só eu envelheço? Será que não usa espelho? No começo de casados, era uma maravilha. Benzinho para cá, presentinho para lá. Um tal de telefonar o dia inteiro só para ouvir a minha voz e dizer que não via a hora de me encontrar. Agora? Chega em casa, dá um beijinho mixuruca e corre amassar o traseiro naquele maldito computador. Diz que quer ler as últimas notícias e ver o resultado do futebol.
Sei. Vai ver tem uma namorada virtual. Já tentei pegar em flagra um milhão de vezes, mas o sem-vergonha deve ter um jeito de fazer a tela mudar para a tabela do campeonato brasileiro quando me aproximo. Como é que ele faz uma coisa dessas comigo? Justo eu, que viro gato e sapato para agradar? Ele não tem uma camisa sem botão, nunca deixo faltar o suco que ele gosta, sempre que posso vou para a cozinha preparar bolo de chocolate, uma de suas paixões. Além da daquela vagabunda virtual, é claro, eu sou mesmo uma idiota.
Mas de hoje não passa. Ele tem que me contar tudo. Tudinho. Tim-tim por tim-tim. Porque ai, se eu descubro sozinha! Aí é que ele vai saber aonde a porca torce o rabo. A porca é ela, claro. Quebro a casa inteira, era só o que faltava, aquelazinha morando aqui dentro, aproveitando no bem-bom todas as coisas que levamos anos para construir. Veja do que uma mulher é capaz, destruir uma família. Porque vou pedir o divórcio.
Se ele não quer ficar comigo, que não fique. Nós não nascemos grudados! Já disse um milhão de vezes. Pego minhas coisas e sumo da poeira, ele vai ver só. Usou e abusou dos melhores anos da minha vida. Mas ainda não sou de jogar fora. Deve ter alguém por aí disposto a me amar. Tem sim. Alguém romântico, que mande flores, dê presentinhos. E um pouco de colo quando eu precisar. Porque ele nunca mais falou que me ama. Se não fala é porque não ama mesmo. Acho que nunca amou. É que é uma moleza, ter a mulherzinha em casa e sair por aí tendo casos virtuais, se é que são virtuais, o que duvido. Aliás, nem duvido mais.
Já disse tudo isso para ele no mês passado. E em todos os meses anteriores. Mas eu sou boba. Falo, falo e depois deixo para lá. Mas não dessa vez. Ah, não. Sou até capaz de me matar. Mas imagine se vai sair barato: vou escrever uma carta bem comprida, dizendo tudo o que sei e ele pensa que não sei, que é para ele ter que carregar o remorso para o resto da vida. Digo isso para ele. Já disse mil vezes.
Sabe o que ele responde? Nada. Não responde. Fica só ouvindo, ou finjindo que ouve, enquanto assiste ao telejornal.
E basta a moça encerrar o telejornal com um boa noite que ele repete sempre a mesma frase:
Então, meu bem, vamos dormir, que amanhã a TPM passa.
Crônica publicada na Coop Revista - Março / 2.007

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