quinta-feira, 25 de junho de 2009

Cenas de um casamento



Cenas de um casamento
Lucia Sauerbronn
Tomados de paixão cega e surda, mas não muda, um dia dois pombinhos chegam à conclusão de que foram feitos um para o outro. E que é hora de dividir o mesmo teto. Como diz o ditado, a lua de mel não vai durar mais que um saco de sal. Como se sabe, sal se usa um pouquinho por dia e a doçura dos primeiros dias logo vai ter sabor de pimenta malagueta. É o tempo exato de descobrir que a princesinha tem humor de bruxa quando acorda. E que, esparramado no sofá depois do almoço de domingo, o príncipe bem que lembra um sapo.
Antes um ninho de amor, a casa logo parece pequena para dois. A começar pela cama. Ele dorme de pernas e braços abertos. Ela, encolhida no espaço que sobra. Ela tem os pés gelados, ele sonha com um ar condicionado. Se esfria, disputam o cobertor. Ela se enrosca nele. Ele diz que não consegue respirar. Ela quer discutir a relação. Ele vira do outro lado. E ronca.
De manhã trombam no banheiro. Disputam o direito de usar o chuveiro primeiro. Ele tem nojo de encontrar fios de cabelo no sabonete. Ela tem chiliques porque ele joga a toalha de banho no chão. Ela estraga o fio do aparelho de barbear depilando as pernas. Ele detona o seu xampu predileto. Ela ocupa a pia toda com potes de creme.
Ele deixa a pasta de dentes aberta.
Ele lê jornal enquanto toma o café (ela gosta fraco; ele, forte). Ela afasta o jornal de cima do pão. Ele tampa o pote de margarina assim que ela retira a faca. Ela só compra queijo branco; ele prefere amarelo.
Ela esquece as luzes acesas. Ele apaga todas as luzes da casa. Ele gasta dinheiro com bobagens. Por mais que compre sapatos, ela nunca tem um que combine com o vestido.
Na direção, ele vira piloto de fórmula 1. Cola no carro da frente, acelera quando vê que o farol vai virar vermelho. Ela reclama do excesso de confiança dele. Ele, que ela não confia nele. Se estiver perdido, jamais admite parar e perguntar o caminho. Mesmo que a estrada acabe num riacho no meio da mata atlântica. Ela cutuca: eu não falei?
Ela gosta de novela. Ele também, mas jura que não. Prefere esporte. Não perde um jogo de futebol. Principalmente se for copa do mundo. Ela resmunga que ele assiste até partida entre Trinidad e Tobago. Ele diz que ela não entende nada: Trinidad e Tobago são um país só.
Ele nunca percebe quando ela corta o cabelo. E só lembra de elogiar o vestido quando
ela vai sair sozinha. Ele reclama se ela chega em casa mais tarde do que ele. Não importa a hora que ele chegue, ela sempre faz cara feia quando ele vai tomar cerveja com os amigos.
Se vão ao cinema, ela prefere filmes de amor. Ele, de ação. Ele não gosta de chegar atrasado. Ela demora para se arrumar. Ele faz plantão na porta do banheiro, olhando o relógio. Ela sai, mas volta porque esqueceu de passar perfume.
Ela prepara um jantar romântico para comemorar o aniversário de casamento. Ele esqueceu a data, e telefona avisando que vai chegar tarde do trabalho. É o fim da linha. Os dois decidem que é impossível continuar a viver juntos com tantas incompatibilidades. Um faz a mala, outro concorda: é melhor assim.
A cama agora é grande demais. Ele sente falta daquele corpo macio enroscado no dele. Aspira fundo o ar, buscando o cheiro doce que só ela tem, mistura de pele, xampu, perfume e creme. Sorri, lembrando da indecisão dela diante do armário. Bobagem. Ela é linda de qualquer jeito. Da ternura que sente ao vê-la chorar no cinema, como dá conta de todos problemas, pequenos e grandes, do seu ar interessado quando ele conta uma história.
Sozinha no silêncio da noite, ela sente frio. Abraça o travesseiro dele, que cheira a cabelo e pasta de dentes. Sorri, lembrando do jeito engraçado que ele tem de sair do banho enrolado na toalha, do seu modo desajeitado de demonstrar ciúme, de insistir que está certo mesmo diante do erro mais óbvio.
Viver a dois não é fácil. Sozinho, menos ainda.
Crônica publicada na Coop Revista - Outubro / 2007

Um comentário:

  1. Hmm, minha prima plagiou a sua crônica.
    Ela não resumiu nem se inspirou na sua crônica, ela copi cada palavra e entregou pra professora como se fosse dela.
    Ela é uma cara-de-pau e a professora é burra de acreditar que uma menina de 10 anos ia escrever uma coisa dessas.

    É uma crônica muito boa mesmo, daquelas que eu já reli algumas vezes.
    Beijos.

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