quinta-feira, 25 de junho de 2009

Ser um homem feminino



Ser um homem feminino
Lucia Sauerbronn
não fere o seu lado masculino?
Moça direita não pisava em salão de bilhar. Nem mesmo mulheres disputadíssimas nos bordéis da cidade eram bem vistas entre as mesas e tacos de sinuca. Ficávamos curiosíssimas. Além de bolinhas coloridas sobre feltro verde, o que será que rolava lá dentro? Nada, eles juravam, escondendo as revistas de mulher pelada. O salão de bilhar era um templo de machos, um clube do bolinha. As mulheres não tinham seus salões de beleza? Então! Cada um na sua. Salão de beleza era lugar em que homem não pisava nem morto.
Hoje alguns salões têm até garçon sarado servindo café. Mas nem sempre foi assim. Quase toda cabeleireira trabalhava num quarto abafado nos fundos de casa, que cheirava a acetona e química de permanente. O calor era sufocante, e o barulho dos secadores, infernal. De beleza, por sinal, não tinha nada. Com suas pinças, tesouras e alicates mal afiados, o ambiente estava mais para sala de tortura. As poltronas, cadeiras e espelhos eram sobra da mobília da casa. Um visitante desavisado era capaz de pensar que se tratava de uma reunião de bruxas: mulheres com a cabeça lambuzada de tintura coberta por toucas de plástico, cabelos presos com bobbies para enrolar e bigudins para cachear, pés mergulhados em bacias plásticas com água e sabão em pó. Ali, homem não entrava. Até porque não tinham nenhum interesse em ver mulheres que ficavam feias para ficar bonitas.
Apesar de decadente, nosso clube da Luluzinha era divertidíssimo. Elas chegavam logo depois do almoço, de lenço de seda na cabeça lavada. Enquanto faziam as unhas e tratavam os cabelos, trocavam dicas de beleza e de alcova, receitas de bolo, chás para cólicas de bebê, infusões para as dores femininas. Mas, acima de tudo, apareciam para ouvir as novidades da semana.
O barulho dos secadores elevava o tom da conversa, de modo que aquele não era um lugar para segredos. Os secadores, por sinal, causaram muito estrago na vizinhança. Às vezes alguém contava que o marido de fulana estava saindo com sicrana. E a fulana ali, escondida sob o capacete do secador de coluna, ouvindo a história tim-tim por tim-tim, apesar dos olhares desesperados da dona do salão.
Mas nem tudo eram maledicências. Era comum uma cliente amargurada com o casamento abrir o coração e pedir conselhos. Como mulher não nega conselho, o salão inteiro dava palpite, cada uma contando a própria experiência. A sessão de terapia em grupo custava no máximo um corte de cabelo.
Devagar, os homens foram chegando. Primeiro, assumiram as tesouras. E, como a maioria dos profissionais de beleza não oferecia risco a maridos ciumentos, eles foram muito bem-vindos. Além de conhecer as últimas tendências de moda, regimes e tratamentos estéticos, eles levavam uma vantagem sobre suas concorrentes. Eram homens. E sabiam como os homens pensavam.
Foi uma revolução. As confidências se tornaram quase consultas. Com sua visão esclarecedora, muitos cabeleireiros ajudaram as mulheres a compreender o universo masculino. Inclusive sua necessidade de freqüentar sozinhos, com seus tacos e bolas, o salão de bilhar. Devia estar escrito na Constituição: toda mulher tem direito a um amigo assim.
Tudo funcionou direitinho até que surgiram os metrossexuais. Nosso templo foi invadido por machos que assumiram seu lado feminino. Perdemos a naturalidade com homens sentados na poltrona ao lado, escolhendo o corte de cabelo da moda, fazendo tintura, escova progressiva, chapinha, hidratação, relaxamento nos fios, manicure, pedicure e limpeza de pele.
Está certo. Nas últimas décadas, nós também conquistamos espaços que eram só deles. Hoje tem mulher na construção civil, caminhoneira, frentista. Só não sei se há alguma que se interesse por bilhar. Mas francamente! Vaidade masculina tem limite! Até depilação os homens andam fazendo! Começaram tirarando os pêlos do nariz e das orelhas. Depois, das sobrancelhas. Agora, depilam o peito. Mas, para mostrar que eles têm peito, mesmo, quero ver se submeterem a uma depilação com cera quente nas partes íntimas...
Crônica publicada na Coop Revista - Dezembro / 2007

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