terça-feira, 13 de abril de 2010

Olha o passarinho!



Olha o passarinho!
Lucia Sauerbronn
A de cabelos cacheados é sua tia Circe, ao lado da irmã, Delta. Os mais velhos são o Henrique
e o Rui. Nessa foto, eu ainda era o caçula dos 11 filhos – depois viriam mais dois. Estou no colo de minha mãe. Atrás dela é seu avô, que morreu quando eu tinha três anos.
Quando chovia muito e era impossível brincar no quintal, eu pedia para ver a velha caixa de fotos. Diante delas, meus pais iam contando histórias de família enquanto matavam a própria saudade. Aqueles homens de ar compenetrado, mulheres e crianças em roupa de domingo revelavam amores, segredos, vitórias, tragédias, sonhos – realizados ou frustrados – de um passado que não vivi, mas era meu.
As mais antigas eram em papel-cartão, cujas bordas se desmanchavam pela ação do tempo. Havia algumas em papel brilhante, tiradas por fotógrafos lambe-lambe na praça. As que eu mais gostava eram de minhas tias em pose de artista de cinema. Por influência de uma Hollywood que apenas começava, as moças costumavam ir ao fotógrafo para registrar o auge de sua juventude e beleza. Guardadas numa capa cinza e protegidas por papel de seda, eram oferecidas como presente aos parentes próximos. Ou ao pretendente, quando o compromisso se tornava sério. Outra foto como aquela só no dia do casamento: o noivo de terno preto e cravo na lapela; a noiva num vestido branco e buquê de flor de laranjeira. Fotografias eram caras, e apenas ocasiões muito especiais mereciam o investimento. Porta-retratos com bebês flagrados em seis poses costumavam enfeitar a parede da sala, ao lado das mesmas crianças no dia da primeira comunhão.
Poucas famílias tinham máquina fotográfica, tipo caixote, para registrar eventos importantes como festas, viagens ou o crescimento dos filhos. O resultado eram instantâneos solenes, guardados como relíquia em álbuns e identificados com nome, local e data numa letra caprichada. Havia também algumas de lembranças da escola, o aluno entre a professora e a bandeira nacional.
Ninguém desperdiçava fotografia: o filme era caro, a revelação, mais ainda. Guardava-se até as que estavam fora de foco, as muito claras ou escuras demais. Podiam não ser perfeitas, mas refletiam momentos que jamais voltariam. Amarelavam, perdiam a cor, as imagens se desfaziam lentamente. Só de olhar esses detalhes, dava para descobrir em que época tinham sido tiradas.
Quando cresci, as câmeras já eram comuns, e passei a fotografar de tudo: colegas de classe, a cidade, casas, família. Fiz questão de guardar nosso passado impresso em papel fotográfico para mais tarde mostrá-lo aos meus filhos. Deu certo. Vivemos momentos bem divertidos relembrando como conheci o pai deles, o dia do casamento, a lua de mel, o nascimento de cada um, os primeiros passos, as festinhas de aniversário. Era engraçado comparar as imagens antigas com as mais recentes. Com o tempo, eles foram fazendo suas próprias fotos. Tantas, que não couberam em caixas. Encomendei um grande armário e enchemos as prateleiras com os álbuns, que precisam ser limpos de tempos em tempos para eliminar as traças e o mofo. Um trabalhão.
Tudo ficou bem mais fácil depois que inventaram as câmeras digitais. Pequenas e práticas, as danadas são inteligentes e fazem tudo sozinhas. Acertam foco, controlam luminosidade. Como dá para deletar as que não ficam boas, ninguém mais aparece piscando nem fazendo careta. Todo mundo sai bonito. E, se não sair, é fácil apagar as ruguinhas e eliminar os quilos extras usando o Photoshop do computador. Fica perfeito. Tão perfeito que nem parece que é a gente de verdade.
Acabou aquela história de gastar com filme e ampliação. Dá para gravar tudo num CD, que não ocupa espaço e mantém as imagens como novas para sempre. Para revê-las, basta colocar o disco no computador e ir apertando a tecla enter, que as imagens aparecem na tela.
Adoro fotografar e agora dou cliques a torto e a direito, mesmo quando estou sem minha máquina fotográfica. Já faz tempo que o celular vem com câmara embutida. É tão fácil que, às vezes, exagero. Não sou a única. Fotografar virou praga mundial. Outro dia, um amigo mandou de presente as que tirou durante viagem ao exterior. Eram 2.800! Tinha até foto de tampa de bueiro!
Contando as que eu mesma tirei e as que os amigos e parentes enviam por e-mail, nos últimos cinco anos juntei umas 20 mil fotos. Pela expectativa de vida da minha geração, calculo ter ainda umas três décadas pela frente. Isso significa que, ao ritmo de 4.000 fotos por ano, serão no mínimo umas 150 mil para me ajudar a relembrar o passado. O que não sei é se, quando eu ficar velhinha, vai existir alguém com paciência para me ouvir contar tanta história...
Crônica publicada na Coop Revista - Fevereiro / 2.010

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