terça-feira, 6 de julho de 2010

Ora, abóboras!



Ora, abóboras!
Lucia Sauerbronn


Abóbora faz bem à saúde. É rica em fibras, zinco, ferro e quase todo o alfabeto das vitaminas. Antioxidante, reduz o risco de câncer e doenças cardíacas, derrames e problemas oculares. Controla o colesterol e ajuda o sistema imunológico. Mas juro que não foi em nada disso que pensei quando levei o punhado de sementes para casa. Eu me encantei mesmo foi com a foto da embalagem, uma travessa repleta de abóboras listradas e lisas, de cores, texturas e formatos diferentes.
Nasci e me criei na cidade. Mas tenho certa nostalgia do campo, o que me levou a ter uma casinha no interior. É lá que me escondo nos fins de semana, entre meus livros e panelas, duas grandes paixões. Não tenho muita afinidade com a terra, mas mantenho uns vasinhos de ervas. Cultivo manjericão, louro, sálvia, alecrim, orégano, hortelã, pimentas de vários tipos. Com um pouco de dedicação e alguma sorte, eu poderia também colher abóboras.
Naquele sábado, acordei cheia de disposição. Bermuda, camiseta, botas, chapéu, luvas e filtro solar, estava preparada para viver as delícias da vida agrícola. Arremessei a enxada na terra e puxei um torrão. Uma dezena de minhocas saltaram para fora, se contorcendo de raiva (ou de dor?). Que nojo! Cortadas ao meio, algumas continuavam a se mexer. Acho que essa é uma das razões pelas quais meninas não gostam de pescarias. Engoli em seco e pensei que, afinal, minhocas significavam que a terra era boa para o plantio. Mesmo assim, não quis arriscar. Virei o saco de adubo de galinha e misturei, tapando o nariz com a gola da camiseta. Desfiz os grumos com as mãos, rezando pela alma do inventor das luvas de borracha.
O sol estava de rachar. O suor escorria pelas bordas do chapéu. O filtro solar derretido entrava pelos olhos. Os pés cozinhavam dentro da bota plástica. Os cabelos grudavam na cabeça. Arranquei as luvas, joguei longe o chapéu, descalcei as botas. Pisei num formigueiro. Eu tinha sede. Muita sede, mas nenhuma coragem de segurar um copo d´água. Tomei da mangueira mesmo, apesar de morna e ruim. Aproveitei e lavei o rosto. E a cabeça. Finalmente, a terra estava pronta para receber as sementes. Agora era regar e esperar. Lambuzada de creme contra queimaduras de sol, olhos inflamados de alergia ao protetor, pernas coçando pelas picadas de formiga, unhas destruídas, cabelos ressecados e dores nas costas lancinantes, naquela noite sonhei com abóboras.
No fim de semana seguinte, comemorei os primeiros brotinhos. No segundo, os ramos já se espalhavam pelo canteiro. No terceiro, grossos talos se enroscavam na cerca, cheios de botões de flores amarelas e brancas. Eu estava orgulhosa da minha roça.
Passei o mês pesquisando a abóbora. Descobri que não é legume, mas fruta, assim como o tomate, e muito versátil. Vai bem em saladas, pães, tortas, doces, refogados. Selecionei as melhores receitas e fiz a lista de convidados para o banquete que prepararia com o resultado do meu trabalho.
Acompanhei o processo das flores se transformando em frutos. Cresciam, engordavam, amadureciam. A chuva e o sol na medida certa, o amanhecer o e anoitecer de um dia depois do outro pareciam lentos demais para minha ansiedade. No último fim de semana, adiantei a viagem e cheguei na sexta, com a noite já alta. Munida de lanterna, fui verificar a plantação. Lá estavam elas! Umas eram redondas como melões, outras, de gomos grossos e firmes, pareciam mexericas descascadas. A maior parte lembrava uma enorme pera. E a textura das cascas? Lisas, aveludadas, enrugadas, grosseiras ao toque. Amarelo, branco, verde, laranja, as cores formavam desenhos e pintinhas. Como eram lindas as minhas aboborazinhas!
Acordei cedo e chamei o pessoal para a festança. Descrevi o cardápio: salada de abóbora, pão de abóbora, torta de abóbora, escondidinho de carne seca e abóbora. De sobremesa, doce de abóbora!
Com uma tesoura de jardim, fui cortando os frutos. Precisei de ajuda para carregar a colheita. A pia da cozinha se encheu de cores. E de larvas! Bichos gosmentos escapavam por minúsculos orifícios perfurados nas cascas. Brancas, verdes, amarelas, laranjas, as larvas explodiam aos milhares conforme a faca ia cortando a polpa carnuda. Os convidados chegaram a tempo de tirar umas fotos, como a que ilustra essa crônica. Depois, comemos macarrão.
Mais de trinta abóboras foram para o lixo. Apenas doze ficaram ilesas à praga. Descobri que não eram abóboras de verdade, mas cabaças, impróprias para a alimentação. Até as larvas sabem disso. Cabaças são usadas com fins decorativos. Servem para fazer chocalho, peneira, boneca, copo e até escultura.
Meus pés de abóbora morreram. Mas as cabaças continuam proliferando no quintal. Nas próximas semanas, renderão quase uma centena de frutos. É o fim da minha carreira de produtora de alimentos. Em compensação, me inscrevi num curso de artesanato.

Crônica publicada na Coop Revista - Dezembro / 2.009

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