terça-feira, 8 de junho de 2010

Anormais são os outros



Anormais são os outros

Lucia Sauerbronn
Doida, doida eu não sou. Mas fico preocupada com essa mania que eu tenho de bater três vezes na madeira cada vez que penso numa coisa ruim. Também não passo debaixo de escada e, quando vejo gato preto, tenho logo de achar um branco. Outro dia, derrubei um pacote de sal. Não deixei ninguém limpar antes de jogar sobre ele um bocado de açúcar. Nunca largo bolsa no chão. Digo que é por higiene. Mentira. Na minha inconsciência, isso faz perder dinheiro. No dia do meu casamento, choveu. Fiquei feliz. Casar em dia de chuva dá sorte. Sei que é tudo bobagem. Mas, se puder evitar, não piso nas linhas da calçada, não deixo sapato virado nem dou lenço de presente. Juro que sou quase normal.
Anormais são os outros. Tenho uma amiga que guarda as roupas separadas por cor e os sapatos ordenados por estação do ano. Com foto na caixa e tudo. Diz que é para ficar mais fácil e não perder tempo. Eu não aguento essa mania que ela tem de manter tudo sempre arrumadinho. Justo ela, que fica maluca porque nunca deixo a louça para lavar no dia seguinte.
Outra chama todo mundo de querida, meu amor, meu bem, amiga, e depois sai por aí falando mal pelas costas. Odeio falsidade. Digo tudo o que penso na frente mesmo.
Não me importo de emprestar as coisas. Desde que não devolvam minha caneta Bic com tampa mordida ou um livro com frases sublinhadas. Por que não fazem como eu, que só rabisco quando estou no telefone? Fico tão entretida que já enfeitei de balõezinhos a borda do documento do carro do meu marido. Mas tenho certeza de que o guarda que pedir para ver vai achar que ficou bonitinho.
É preciso não perder tempo com coisas tão pequenas, quando outras bem mais irritantes acontecem todos os dias. Como o motorista que espera o farol abrir com o pé no acelerador, ou põe o som do carro no último volume como se todos tivessem obrigação de gostar da mesma música. Tem certas manias que mais parecem falta de educação. Ou carência de semancol. Meu vizinho adora cantar no banho. Às 5 da manhã! O pior é que ele reclama só porque gosto do som do meu sapato alto contra o assoalho. Haja paciência.
Impaciente mesmo fico quando uma pessoa começa a contar uma história e emenda em outra, sem dar tempo de contar a minha. Cansa. É muito pior do que eu contando piada, já que sempre esqueço o final. Chato mesmo é aquele amigo que tem mania de grandeza. Acha que tudo o que ele tem é sempre maior, mais bonito e mais gostoso. Não é verdade. O ego dele não pode ser maior que o meu.
Pior é o contrário, o que tem complexo de inferioridade. Gasto um tempão mostrando que, apesar de tudo, ele até que tem coisas positivas. Eu e essa mania de querer ajudar os outros a se sentirem bem...
Não funciona muito com quem tem mania de doença. Quando cruzo com um hipocondríaco não posso fugir alegando dor de barriga. Ele logo vai falar da sua úlcera, indicar o nome dos melhores especialistas, dos remédios de última geração e de uma dieta que, além de resolver o problema, fortalece o sistema imunológico. Entro no dr. Google e pesquiso os sintomas. Pelo sim, pelo não, marco uma consulta e dou um pulo na farmácia.
Estalar os dedos, bater com a caneta na mesa, ficar sentado balançando as pernas são manias nos outros que me incomodam. Também faço coisas que, aos olhos alheios, podem parecer estranhas, mas juro que não têm a menor importância. Que mal há em entrar em casa sempre com o pé direito?
Desde criança tenho algumas manias. Nada sério, mas me esforço em melhorar. Deixei, por exemplo, de comer primeiro toda a casquinha do sonho de valsa e depois mastigar o recheio sozinho. Também já não olho atrás da porta antes de deitar. Ainda não consigo dormir sem meus três travesseiros. Meu marido diz que eles ocupam muito lugar na cama. Ele não pode reclamar: nem durmo mais abraçada com meu ursinho!

Crônica publicada na Coop Revista - Novembro / 2.009

Um comentário:

  1. rsrsrsrs, muito boa, Lucia
    as pessoas são estranhas...
    eu amo gatos, se vivesse na Idade Média seria queimada como bruxa por isso.
    uma gata branca quis me adotar uma vez, eu ia escrever no blog, mas tinha muitas coisas para escrever lá também, e ela ficou só no rascunho, pena

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