tag:blogger.com,1999:blog-88200955487415417992024-02-20T11:21:29.233-08:00Crônicas Lucia Sauerbronncronicas da jornalista Lucia Sauerbronnn. Relatos divertidos do quotidiano.Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.comBlogger38125tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-23196058279596933042010-08-18T07:08:00.000-07:002010-08-18T07:13:07.220-07:00É proibido fumar<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjK4iTDYXCaSU_Yws6OlO1eq86DGau_WQ0Jfom2WAYMn7GgLkef6gsQ2V-pt6poTKdX-APrICjWCROfKROtTIUhpMrXMomCJFAs4FUUdRg7CWeu6GDo8TJVEziZHvjt3mDNTC_28lWxiF4/s1600/05-COOP+307-Setembro2009.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5506752701410706098" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 240px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjK4iTDYXCaSU_Yws6OlO1eq86DGau_WQ0Jfom2WAYMn7GgLkef6gsQ2V-pt6poTKdX-APrICjWCROfKROtTIUhpMrXMomCJFAs4FUUdRg7CWeu6GDo8TJVEziZHvjt3mDNTC_28lWxiF4/s320/05-COOP+307-Setembro2009.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><strong><span style="color:#ff9900;">É proibido fumar</span></strong></div><br /><div>Lucia Sauerbronn<br />Não há nada mais desagradável do que cheiro de cinzeiro. A fumaça do cigarro empesteia os cabelos, as roupas, a casa, o carro, o local de trabalho. Quem fuma tem os dentes amarelados. A nicotina mancha também dedos e unhas. A pele perde o viço, enruga e envelhece mais cedo. Nos homens, causa impotência. Nas mulheres grávidas, diminui o peso do feto. Dizem que o cigarro tem inúmeros produtos tóxicos, até veneno de rato. Imagine o estrago que faz quando a gente aspira esse lixo todo e ele se espalha através do sangue, envenenando cada célula do corpo. Quem não fuma, mas convive com fumantes, corre os mesmos riscos. Fumar é altamente perigoso. O cigarro vicia. E até mata.<br />O álcool causa um rombo enorme na economia. E não é só o que se gasta com o tratamento dos dependentes. Por conta do álcool, muita gente perde o emprego, a autoestima, o convívio social e a família. A bebida destrói os neurônios, acaba com o fígado (que às vezes precisa de transplante), compromete o futuro emocional de milhões de crianças e é responsável pela grande maioria das agressões domésticas. Motoristas alcoolizados causaram 84.684 mortes só no segundo semestre do ano passado. E isso em plena lei seca.<br /><a name="globalWrapper"></a><a name="bodyContent"></a>Os automóveis lançam na atmosfera gás carbônico. Cada ser humano é responsável pela emissão de 4,22 toneladas de dióxido de carbono por ano. Respirar nos grandes centros urbanos não é só um problema do homem metropolitano. O CO2 resultante da combustão de petróleo, mais o enxofre da queima de carvão e outros gases presentes na atmosfera, provocam a chuva ácida, matando plâncton, insetos, peixes e anfíbios. Todos os frutos do mar estão carregados de chumbo, mercúrio e outros metais pesados.<br />O solo do planeta está contaminado por fertilizantes altamente tóxicos. Que penetram nos lençóis de água subterrâneos, que vão para os rios. Que seguem até represas e chegam às nossas casas através de torneiras. Água que usamos para beber e cozinhar. Para alimentar a população mundial de mais de 6 bilhões de almas, carne, frango, leite, frutas e verduras fresquinhos têm uma carga enorme de hormônios e produtos químicos.<br />A camada de ozônio esburacou por causa dos gases emitidos pelas indústrias que produzem cada alfinete consumido. Toda a madeira que usamos em móveis, papel e até numa romântica e inocente lareira significa a morte de árvores. Por conta do desequilíbrio ecológico, inúmeras espécies de plantas e animais estão sendo extintas. Só a população bovina é que não para de crescer. São 3,2 bilhões de vacas, carneiros e cabras expelindo gás metano enquanto fazem a digestão. Essa verdadeira bomba gasosa atravessa a atmosfera e impede que parte do calor que incide sobre o nosso planeta seja liberado de volta para o espaço. O pum dos ruminantes é responsável por um quinto do aquecimento global. O que leva o gelo das calotas polares a derreter. Muitas cidades correm o risco de ser engolidas pelo oceano.<br />A Amazônia está sendo destruída para aumentar a criação de gado e o cultivo de soja. Além de abrigar a maior variedade de toda a flora e fauna, as florestas promovem a umidade necessária para a formação de nuvens de chuva. Como consequência, algumas áreas do planeta estão virando desertos. A humanidade pode morrer de sede.<br />Fiquei tão preocupada que acho que vou acender um cigarro para relaxar... </div><br /><div>Crônica publicada na Coop Revista - Setembro / 2.009 </div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-63632718650331615262010-08-03T10:46:00.000-07:002010-08-03T10:48:41.132-07:00Chá da tarde<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn0En9R9yajnLWa66HYMcloHTyq6a5C5kbLlqUIXr3BoAq1ffPSdWFiqOcdmBfqD1sR9AOwTiGKUcHE49ghIPezyHqa82VUg7a09cKCxthbLTAYbuzQmQRZYg-y4CQ7qOrmkmoySKGUhI/s1600/cr%C3%B4nica-Outubro2009.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5501241942642119186" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 279px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn0En9R9yajnLWa66HYMcloHTyq6a5C5kbLlqUIXr3BoAq1ffPSdWFiqOcdmBfqD1sR9AOwTiGKUcHE49ghIPezyHqa82VUg7a09cKCxthbLTAYbuzQmQRZYg-y4CQ7qOrmkmoySKGUhI/s320/cr%C3%B4nica-Outubro2009.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><span style="color:#663366;"><strong>Chá da tarde</strong></span></div><br /><div>Lucia Sauerbronn<br />A visita das tias era sempre um bom motivo. Mas podia ser uma vizinha, a comadre, a mãe de um de nossos colegas ou a amiga que encontrou na feira. Pela agitação de minha mãe, a gente logo percebia que a tarde ia fugir da rotina. Nem bem o almoço terminava, o barulho dos pratos era substituído pelo da batedeira, onde os ovos iam sendo misturados com açúcar, leite, farinha, fermento e suas mil variações: baunilha, raspas de limão, suco de laranja, chocolate, banana caramelizada, fubá com erva-doce. Antes que eu tivesse tempo de terminar de lamber os restos de massa da tigela, o cheiro de bolo assado já tomava conta da cozinha.<br />Com a precisão de quem sabe o que está fazendo, minha mãe tirava a toalha de algodão adamascado da gaveta, passava água nas xícaras e pratinhos de porcelana e punha no fogo a chaleira para o chá. Só então ela ia trocar de roupa, passar batom e esperar pela convidada, que, para nossa alegria, vinha sempre acompanhada dos filhos. Na meia hora seguinte, em volta da mesa, as mulheres falavam da educação das crianças, dos preços que andavam pela hora da morte, da costureira fantástica que tinham descoberto e trocavam receitas, enquanto nós dávamos fim ao bolo até as migalhas.<br />Com a chance de participar da conversa dos adultos, mesmo que como meros ouvintes, as crianças procuravam obedecer a todas as recomendações da mãe: comer de boca fechada, não avançar na comida, falar baixo e não rir na mesa, com medo de sermos obrigadas a ir brincar no quintal. O cuidado era inútil. Exatamente quando o assunto ficava mais interessante, alguém avisava que tinha gente descalça por perto. E não adiantava correr enfiar os sapatos. Aquele era o código para tirar as crianças da cozinha, sinal de que as confidências iam começar.<br />Enxotados, humilhados e frustrados, brincar era a última coisa que algum de nós pensava em fazer. Tudo o que a gente queria era descobrir que segredos se escondiam atrás da porta trancada a chave. Mesmo encostando o ouvido na madeira e pedindo silêncio, era impossível identificar qualquer sentido entre uma e outra palavra sussurada, mistério que só anos mais tarde consegui decifrar.<br />Aqueles encontros inocentes eram, na verdade, um álibi. Entre frases e risos abafados, xícaras de chá e pedaços de bolo, nossas mães espantavam seus medos e fantasmas. No começo dos anos 60, com a descoberta da pílula anticoncepcional, o mundo virava de cabeça para baixo. Mas tudo o que se relacionava a sexo era ainda um tabu tão grande que elas precisavam reunir coragem até para ir à farmácia comprar um pacote de absorventes. Com exceção da coluna A arte de ser mulher, que Carmem da Silva – primeira jornalista brasileira a abordar o feminismo – assinava na Revista Cláudia, o assunto não podia ser tratado nem mesmo com o padre. A cozinha era o único porto seguro onde as mulheres revelavam seus desejos e angústias. Evitar a gravidez, ter prazer no sexo, usar calças compridas: tudo isso não feria a religião, a moral e os bons costumes?<br />Com medo que seus segredos fossem parar na boca do povo, elas apelavam para uma tática. Contavam a própria história como se tivesse sido ouvida da boca da prima de uma vizinha da tia, que morava em outro estado. Isso tornava impossível apurar se o fato era real e deixava todas à vontade para dar palpites sobre o assunto.<br />O chá terminava por volta das cinco, quando a porta era finalmente reaberta. Com o rosto afogueado, aquelas mulheres, cujas revelações íntimas tornaram cúmplices e mais amigas do que antes, falavam alto tentando aparentar naturalidade. Agarrando os filhos pela mão, trocavam beijinhos rápidos de despedida. Era hora de voltar para casa, vestir o avental e preparar o jantar para a família, como se não levassem no peito um vulcão de emoções.<br />Hoje, quando vejo a intimidade dos casais escancarada nos programas de TV e o sexo vulgarizado, sinto saudade daquelas tardes secretas. Graças às nossas mães, não temos vergonha do próprio corpo e conquistamos o direito de assumir nossos desejos. As mulheres de hoje são modernas, desprovidas de tabus, preconceitos e se sentem à vontade para falar de seus relacionamentos até diante das crianças, sem chá nem bolo e com as portas escancaradas. Não nos falta liberdade. Talvez apenas um pouco de açúcar e de afeto. </div><br /><div>Crônica publicada na Coop Revista - Outubro / 2.009 </div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-79212734259367029122010-07-19T06:51:00.000-07:002010-07-19T07:04:29.601-07:00Amor é bom pra cachorro<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjt6t4doLPY0P-kUuaPQZ1-rbA4i-KLaCP28VH0w7qDEBsqJiNdTkHEp0nV92iyOUpAJldZKvgCojmopvY046_8KX7GTDrWgzdxW6oiU_Pwiy2qfwfwxtkaWvLWgZaPe_dJvB1VV6Px7GA/s1600/cronica+julho+10.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5495617523221554658" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 246px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjt6t4doLPY0P-kUuaPQZ1-rbA4i-KLaCP28VH0w7qDEBsqJiNdTkHEp0nV92iyOUpAJldZKvgCojmopvY046_8KX7GTDrWgzdxW6oiU_Pwiy2qfwfwxtkaWvLWgZaPe_dJvB1VV6Px7GA/s320/cronica+julho+10.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><span style="color:#ff0000;"><strong>Amor é bom pra cachorro</strong></span></div><br /><div>Lucia Sauerbronn<br />De pelo preto e amêndoa, cheirando a banho e de lacinho no topete, ela era a Milou em miniatura. Tremendo como coelhinho assustado, assim que me viu escalou meu casaco feito uma macaca e se aboletou dentro da gola. Atravessei a cidade dirigindo com aquela criaturinha enroscada no meu pescoço. Apesar do incômodo, eu estava feliz. Fazia um ano que a Milou tinha nos deixado. Foi muita sorte encontrar outra fêmea tão meiga e carinhosa para nos fazer companhia.<br />Escolhemos um nome pequenino como ela: Gigi. Na mesma tarde, teve uma grave crise de tosse. A veterinária elogiou os bons modos da mocinha, que tomou injeção sem reclamar. Exatamente como a Milou!<br />Ou quase. Na manhã seguinte, acordou recuperada. E com a pilha toda. Nosso primeiro passeio foi uma visita ao canteiro florido que guardava os restos mortais de nossa antiga companheira. Enquanto eu me ocupava das apresentações, Gigi fez cocô e mastigou as flores do canteiro. Perdoei a falta de respeito. Ela ainda era um bebê. Talvez quando crescesse, tomasse jeito. Ao invés de brigar, peguei a danada no colo e enchi de beijinhos.<br />Nada como um novo amor. Desde que não a gente não o compare com o antigo. Logo descobri que não se deve confiar num focinho bonito. O tempo iria mostrar que de Milou ela não tinha nada.<br />Para começar, odeia lacinhos. Arranca com as patas e come. Por sinal, come qualquer coisa, de ração a pé de mesa. Ontem, mordeu pimenta e saiu cuspindo pela casa. Já engoliu botão, miçanga de almofada e moeda de um centavo. Outro dia, arranquei de sua boca um caco de vidro. Por conta desse apetite voraz, de vez em quando tem dor de barriga e choraminga feito bebê. Só passa quando a coloco dentro da blusa e ela se acomoda colando a pele na minha. Também teve pulga e carrapato porque adora meter o focinho aonde não é chamada, quando a levo para passear. Se é que se pode dizer que eu a levo para passear. Gigi faz questão absoluta de escolher o caminho. Empaca feito burro se insisto em ir para outro lado.<br />Toda manhã me acorda com uma crise de tosse. Já está curada, mas tosse para chamar atenção. Ando pela casa com a pestinha agarrada à calça do pijama. Enquanto tomo banho, ela mastiga meu chinelo. Eu me visto e ela briga com a própria imagem no espelho, que já está todo arranhado. Não tenho mais tênis com cadarços, nem abajur que funcione, pois ela faz os fios de chiclete. Cada vez que quero mudar o canal da TV preciso levantar do sofá e ir até o aparelho. Ela roeu o controle remoto. E não adianta brigar. Na língua dela, não quer dizer sim. E não está nem aí para bronca e cara feia.<br />O que ela detesta mesmo é ficar sozinha. Quando saio para trabalhar, se enfia porta afora, querendo ir junto. A Conceição, que trabalha lá em casa, tem de ligar o rádio para convencê-la a ficar. Então, ela se ajeita no meio da pilha de roupas para lavar e fica ouvindo música. Se o dia está frio, procura um raiozinho de sol e deita de barriga para cima para se aquecer.<br />Ela tem uma vantagem sobre a Milou que, quando ficava sozinha, se vingava fazendo xixi no tapete da sala. Experiente, espalhei fraldões para cachorro em cada cômodo. Está certo que ela cheira a beirada da peça, erra a mira e faz fora, molhando o assoalho. Mas tenho fé em Deus que um dia ela acerta. Quem sabe, quando crescer um pouco...<br />Dois meses e muitos sapatos carcomidos depois, Gigi ainda não sossegou. Tenho me esforçado em tentar domar seus ímpetos adolescentes. Mas quem é que consegue controlar tanta energia? Quando volto para casa, fica tão feliz que pula como uma cabrita. Não é uma vantagem? Em vez de cão tenho um zoológico inteiro.<br />Gosta de dançar sobre as patas traseiras pedindo colo. Uma vez no colo, me lambuza de beijos e aproveita para arrancar meu brinco. Se a devolvo para o chão, vai buscar seus brinquedos. A bolinha de tênis está esfarrapada. O porquinho está em pedaços. A galinha de borracha ela chacoalha tanto que qualquer dia vai descolar o cérebro. Parece uma maluquinha percorrendo a casa toda, da sala para o quarto, do banheiro para a lavanderia, sem parar nenhum segundo. Enquanto preparo o jantar, ela corre atrás do rabo e resmunga, pedindo pãozinho. Só então vai se aboletar no sofá. Aí a brincadeira é mordiscar minha mão, que já está cheia de furinhos por causa dos seus dentes afiados. Demora para cansar. Mas, quando adormece, parece um anjinho.<br />Assim quieta, não dá para saber se a bichinha é de verdade ou de pelúcia. É tão pequenininha! Já está uma mocinha, mas acho que nunca vai tomar jeito. Sei que a cupa é mesmo minha. Ela jamais será uma lady como a Milou, que eduquei como filha. É que, com a Gigi, não resisto me comportar como avó. </div><br /><div>Crônica publicada na Coop Revista - Julho / 2.010 </div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-40424782902424907332010-07-06T12:04:00.000-07:002010-07-06T12:07:11.313-07:00Ora, abóboras!<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3K0tIZxyL2xrIeszvhDJPE5T-Us6GFmF1D4l00VOZpTapfDpMS1ayVnvASA0_5y4l28eA6x5YViKvPOUfEcr7a7v6vGpHLSrD7q1RvzzikM32ns8XZkRfJFzmclorGd2rBaR_3WnP72E/s1600/cronica-Dezembro2009.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5490871828386858514" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 320px; CURSOR: hand; HEIGHT: 251px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3K0tIZxyL2xrIeszvhDJPE5T-Us6GFmF1D4l00VOZpTapfDpMS1ayVnvASA0_5y4l28eA6x5YViKvPOUfEcr7a7v6vGpHLSrD7q1RvzzikM32ns8XZkRfJFzmclorGd2rBaR_3WnP72E/s320/cronica-Dezembro2009.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><span style="color:#ff6600;"><strong>Ora, abóboras!</strong></span><br />Lucia Sauerbronn</div><br /><div></div><br /><div>Abóbora faz bem à saúde. É rica em fibras, zinco, ferro e quase todo o alfabeto das vitaminas. Antioxidante, reduz o risco de câncer e doenças cardíacas, derrames e problemas oculares. Controla o colesterol e ajuda o sistema imunológico. Mas juro que não foi em nada disso que pensei quando levei o punhado de sementes para casa. Eu me encantei mesmo foi com a foto da embalagem, uma travessa repleta de abóboras listradas e lisas, de cores, texturas e formatos diferentes.<br />Nasci e me criei na cidade. Mas tenho certa nostalgia do campo, o que me levou a ter uma casinha no interior. É lá que me escondo nos fins de semana, entre meus livros e panelas, duas grandes paixões. Não tenho muita afinidade com a terra, mas mantenho uns vasinhos de ervas. Cultivo manjericão, louro, sálvia, alecrim, orégano, hortelã, pimentas de vários tipos. Com um pouco de dedicação e alguma sorte, eu poderia também colher abóboras.<br />Naquele sábado, acordei cheia de disposição. Bermuda, camiseta, botas, chapéu, luvas e filtro solar, estava preparada para viver as delícias da vida agrícola. Arremessei a enxada na terra e puxei um torrão. Uma dezena de minhocas saltaram para fora, se contorcendo de raiva (ou de dor?). Que nojo! Cortadas ao meio, algumas continuavam a se mexer. Acho que essa é uma das razões pelas quais meninas não gostam de pescarias. Engoli em seco e pensei que, afinal, minhocas significavam que a terra era boa para o plantio. Mesmo assim, não quis arriscar. Virei o saco de adubo de galinha e misturei, tapando o nariz com a gola da camiseta. Desfiz os grumos com as mãos, rezando pela alma do inventor das luvas de borracha.<br />O sol estava de rachar. O suor escorria pelas bordas do chapéu. O filtro solar derretido entrava pelos olhos. Os pés cozinhavam dentro da bota plástica. Os cabelos grudavam na cabeça. Arranquei as luvas, joguei longe o chapéu, descalcei as botas. Pisei num formigueiro. Eu tinha sede. Muita sede, mas nenhuma coragem de segurar um copo d´água. Tomei da mangueira mesmo, apesar de morna e ruim. Aproveitei e lavei o rosto. E a cabeça. Finalmente, a terra estava pronta para receber as sementes. Agora era regar e esperar. Lambuzada de creme contra queimaduras de sol, olhos inflamados de alergia ao protetor, pernas coçando pelas picadas de formiga, unhas destruídas, cabelos ressecados e dores nas costas lancinantes, naquela noite sonhei com abóboras.<br />No fim de semana seguinte, comemorei os primeiros brotinhos. No segundo, os ramos já se espalhavam pelo canteiro. No terceiro, grossos talos se enroscavam na cerca, cheios de botões de flores amarelas e brancas. Eu estava orgulhosa da minha roça.<br />Passei o mês pesquisando a abóbora. Descobri que não é legume, mas fruta, assim como o tomate, e muito versátil. Vai bem em saladas, pães, tortas, doces, refogados. Selecionei as melhores receitas e fiz a lista de convidados para o banquete que prepararia com o resultado do meu trabalho.<br />Acompanhei o processo das flores se transformando em frutos. Cresciam, engordavam, amadureciam. A chuva e o sol na medida certa, o amanhecer o e anoitecer de um dia depois do outro pareciam lentos demais para minha ansiedade. No último fim de semana, adiantei a viagem e cheguei na sexta, com a noite já alta. Munida de lanterna, fui verificar a plantação. Lá estavam elas! Umas eram redondas como melões, outras, de gomos grossos e firmes, pareciam mexericas descascadas. A maior parte lembrava uma enorme pera. E a textura das cascas? Lisas, aveludadas, enrugadas, grosseiras ao toque. Amarelo, branco, verde, laranja, as cores formavam desenhos e pintinhas. Como eram lindas as minhas aboborazinhas!<br />Acordei cedo e chamei o pessoal para a festança. Descrevi o cardápio: salada de abóbora, pão de abóbora, torta de abóbora, escondidinho de carne seca e abóbora. De sobremesa, doce de abóbora!<br />Com uma tesoura de jardim, fui cortando os frutos. Precisei de ajuda para carregar a colheita. A pia da cozinha se encheu de cores. E de larvas! Bichos gosmentos escapavam por minúsculos orifícios perfurados nas cascas. Brancas, verdes, amarelas, laranjas, as larvas explodiam aos milhares conforme a faca ia cortando a polpa carnuda. Os convidados chegaram a tempo de tirar umas fotos, como a que ilustra essa crônica. Depois, comemos macarrão.<br />Mais de trinta abóboras foram para o lixo. Apenas doze ficaram ilesas à praga. Descobri que não eram abóboras de verdade, mas cabaças, impróprias para a alimentação. Até as larvas sabem disso. Cabaças são usadas com fins decorativos. Servem para fazer chocalho, peneira, boneca, copo e até escultura.<br />Meus pés de abóbora morreram. Mas as cabaças continuam proliferando no quintal. Nas próximas semanas, renderão quase uma centena de frutos. É o fim da minha carreira de produtora de alimentos. Em compensação, me inscrevi num curso de artesanato. </div><br /><div>Crônica publicada na Coop Revista - Dezembro / 2.009</div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-27422410021552181062010-06-24T05:41:00.000-07:002010-06-24T05:43:37.798-07:00Aguenta, coração !<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUlFkVIC9At380VqMoHHt8wp0zIR4UbsUr_5FWJuA3FDSG1w6Htnj69wR5Qr-YrobB0y4RB0qSJBXPg3gHSaJPeMvk_CWTCo5TaWDPGxE3Ih4DAVzSp1I2jVn5lTitHNQOCtT53JIskTM/s1600/cronicaJUNHO+2010.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5486319930041849234" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 278px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUlFkVIC9At380VqMoHHt8wp0zIR4UbsUr_5FWJuA3FDSG1w6Htnj69wR5Qr-YrobB0y4RB0qSJBXPg3gHSaJPeMvk_CWTCo5TaWDPGxE3Ih4DAVzSp1I2jVn5lTitHNQOCtT53JIskTM/s320/cronicaJUNHO+2010.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><span style="color:#ff0000;"><strong>Aguenta, coração!</strong></span></div><br /><div>Lucia Sauerbronn </div><br /><div><br />Vou levar lasanha. A Maura vai preparar a salada. A Marli se incumbiu da torta. A Evelina, da sobremesa, a Leda, dos aperitivos e a Cleni, dos biscoitinhos. Denise oferece a casa e as bebidas. Ainda falta definir o que fica por conta da Vera e da Maria, mas não é nenhum problema: ninguém ainda se manifestou sobre a pipoca e os pãezinhos. A Sueli e a Marly (com y) não sabem se vão aparecer ou juntar-se a outras turmas. Mas dona Isaura é presença obrigatória. Combinamos vestir verde, que é a cor da esperança. Mas quem for de amarelo também será bem recebido. Já a combinação azul e branco, por questões óbvias, foi definitivamente descartada.<br />Já fizemos também a lista de materiais indispensáveis para os dias de jogo: bandeira do Brasil para pendurar na janela, fitinha verde e amarela para a antena do carro, ioiô, apito e reco-reco. Só não vale papel picado, que faz uma sujeira danada dentro e fora de casa. Proibimos também a vuvuzela, aquela corneta irritante que os sul-africanos inventaram. Mas foi só para poupar nossos próprios ouvidos. É que, como todo bom brasileiro, nenhum fiscal do Psiu vai se importar com poluição sonora em dia de assistir a nossa seleção entrar em campo.<br />Estamos animados. De quatro em quatro anos repetimos esses encontros. São uma ótima desculpa para nos revermos sem pressa, numa tarde em que todos somos dispensados do trabalho por uma causa justíssima. Para dar conta dos compromissos, vamos ter de correr e terminar as tarefas do dia no curto período da manhã. E depois enfrentar trânsito pesado, ruas apinhadas, ônibus, metrô e táxis lotados para dar tempo de chegar antes do abrem-se as cortinas e comeeeça o espetáculo...<br />Os maridos vão logo se ajeitar nas cadeiras e sofás improvisados, corações e mentes ligados, olhos grudados na telinha. Só para provocar, prometemos contratar uma stripper para um showzinho especial para a ala masculina, como forma de relaxar a tensão daqueles cruciantes 90 minutos. Mas eles foram claros: juraram colocar para fora até dançarina do ventre que ouse se colocar entre seus olhos e a TV. A única coisa capaz de atrapalhar é a loura gelada acabar, torcida brasileira!<br />Da cozinha, nós, mulheres, estaremos atentas aos hummm, ohhhs e putz!... Se o locutor anunciar um gol seco, saberemos que é ponto para o adversário. Mas se o grito for de e que gooooooolllllll!!!!!!!, seguido de urros e explosão de fogos, iremos correndo comemorar com eles.<br />Enquanto os homens acompanham o pimmmmba na gorduchinha, estaremos livres para fofocar à vontade, trocar receitas e confidências, contar piadas e dizer todas as bobagens que quisermos sem juiz nem bandeirinha para dar cartão vermelho.<br />O teeeempo passa, e alguma de nós poderá lembrar de que é preciso dar um pulo na sala. Com a desculpa de conferir o placar e ver o que anda rolando no carooooço do abacate, talvez ela arrisque pedir emprestado o cartão de crédito do marido enquanto vêem as bandeeeeiras tremulando. O que, secretamente, todas vão querer fazer, depois de ficar sabendo aonde comprar aquele sapato maravilhoso da Marli e o endereço do cabeleireiro fantástico que deu um novo visual à Evelina.<br />Depois de tanta cerveja, os homens farão fila na porta do banheiro entre o primeiro e o segundo tempo. Vão também conferir os tira-teimas, comentar cada chute, drible, falta, pênalti e todos os lances dramáticos da peleja. E olhar, no álbum de figurinhas, a cara daquele jogador cuja mãe tem passado duvidoso, caso ele faça um golaço em cima do escrrrete canarinho, obrigando nossos pentacampeões a dar ripa na chulipa. Afinal, o que vale é bola na rede! Na rede dos outros.<br />Quando a gente ouvir fecham-se as cortinas e terrrrmina o espetáculo, vai bater aquela fome. Se o Brasil ganhar, ninguém vai se importar se o prato principal for bife de fígado. Se perder, não haverá bolo de chocolate capaz de tirar o amargo da boca.<br />É que futebol é uma caixinha de surpresas. Por enquanto, nossa turma programou assistir o Brasil enfrentar os times da Coreia do Norte, da Costa do Marfim e de Portugal. É que, para não atrair azar, ninguém se atreveu a planejar nenhum encontro para a segunda fase. Afinal, nem mesmo quem sonha ser hexacampeão deve contar com os ovos dentro da galinha. Mas, cá entre nós – Deus queira que seja bobagem – não dá lá para confiar muito naquela escalação do Dunga, que resolveu deixar de fora de pato a ganso. E a verdade é que andamos morrendo de medo de acabar comendo peru. Aí, torcida brasileira, não adiaaaaanta chorar...<br />Essa crônica é uma pequena homenagem a Fiori Gigliotti e Osmar Santos, locutores esportivos que emocionaram os brasileiros e sacudiram os estádios. </div><br /><div>Crônica publicada na Coop Revista - Junho / 2.010</div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-10008008982879453892010-06-08T10:27:00.000-07:002010-06-08T10:34:04.288-07:00Anormais são os outros<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjF4weOhnjnebseoxMU1z83RB50i2R7I0J3f7Y8LLdDlZbBZ-XxLZac5_33uUduSqfpd7YMpIm4_40O8YiGjfCbsWvCYwsXNdFXRYSo_QlHIIkjyFvdsenMyCs15RRcxkrtlUgT10_NvQ/s1600/cronica-Novembro2009.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5480457423732282514" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 230px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjF4weOhnjnebseoxMU1z83RB50i2R7I0J3f7Y8LLdDlZbBZ-XxLZac5_33uUduSqfpd7YMpIm4_40O8YiGjfCbsWvCYwsXNdFXRYSo_QlHIIkjyFvdsenMyCs15RRcxkrtlUgT10_NvQ/s320/cronica-Novembro2009.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><span style="color:#cc0000;"><strong>Anormais são os outros</strong></span></div><br /><div><span style="color:#cc0000;"><span style="color:#000000;">Lucia Sauerbronn</span> </span><br />Doida, doida eu não sou. Mas fico preocupada com essa mania que eu tenho de bater três vezes na madeira cada vez que penso numa coisa ruim. Também não passo debaixo de escada e, quando vejo gato preto, tenho logo de achar um branco. Outro dia, derrubei um pacote de sal. Não deixei ninguém limpar antes de jogar sobre ele um bocado de açúcar. Nunca largo bolsa no chão. Digo que é por higiene. Mentira. Na minha inconsciência, isso faz perder dinheiro. No dia do meu casamento, choveu. Fiquei feliz. Casar em dia de chuva dá sorte. Sei que é tudo bobagem. Mas, se puder evitar, não piso nas linhas da calçada, não deixo sapato virado nem dou lenço de presente. Juro que sou quase normal.<br />Anormais são os outros. Tenho uma amiga que guarda as roupas separadas por cor e os sapatos ordenados por estação do ano. Com foto na caixa e tudo. Diz que é para ficar mais fácil e não perder tempo. Eu não aguento essa mania que ela tem de manter tudo sempre arrumadinho. Justo ela, que fica maluca porque nunca deixo a louça para lavar no dia seguinte.<br />Outra chama todo mundo de querida, meu amor, meu bem, amiga, e depois sai por aí falando mal pelas costas. Odeio falsidade. Digo tudo o que penso na frente mesmo.<br />Não me importo de emprestar as coisas. Desde que não devolvam minha caneta Bic com tampa mordida ou um livro com frases sublinhadas. Por que não fazem como eu, que só rabisco quando estou no telefone? Fico tão entretida que já enfeitei de balõezinhos a borda do documento do carro do meu marido. Mas tenho certeza de que o guarda que pedir para ver vai achar que ficou bonitinho.<br />É preciso não perder tempo com coisas tão pequenas, quando outras bem mais irritantes acontecem todos os dias. Como o motorista que espera o farol abrir com o pé no acelerador, ou põe o som do carro no último volume como se todos tivessem obrigação de gostar da mesma música. Tem certas manias que mais parecem falta de educação. Ou carência de semancol. Meu vizinho adora cantar no banho. Às 5 da manhã! O pior é que ele reclama só porque gosto do som do meu sapato alto contra o assoalho. Haja paciência.<br />Impaciente mesmo fico quando uma pessoa começa a contar uma história e emenda em outra, sem dar tempo de contar a minha. Cansa. É muito pior do que eu contando piada, já que sempre esqueço o final. Chato mesmo é aquele amigo que tem mania de grandeza. Acha que tudo o que ele tem é sempre maior, mais bonito e mais gostoso. Não é verdade. O ego dele não pode ser maior que o meu.<br />Pior é o contrário, o que tem complexo de inferioridade. Gasto um tempão mostrando que, apesar de tudo, ele até que tem coisas positivas. Eu e essa mania de querer ajudar os outros a se sentirem bem...<br />Não funciona muito com quem tem mania de doença. Quando cruzo com um hipocondríaco não posso fugir alegando dor de barriga. Ele logo vai falar da sua úlcera, indicar o nome dos melhores especialistas, dos remédios de última geração e de uma dieta que, além de resolver o problema, fortalece o sistema imunológico. Entro no dr. Google e pesquiso os sintomas. Pelo sim, pelo não, marco uma consulta e dou um pulo na farmácia.<br />Estalar os dedos, bater com a caneta na mesa, ficar sentado balançando as pernas são manias nos outros que me incomodam. Também faço coisas que, aos olhos alheios, podem parecer estranhas, mas juro que não têm a menor importância. Que mal há em entrar em casa sempre com o pé direito?<br />Desde criança tenho algumas manias. Nada sério, mas me esforço em melhorar. Deixei, por exemplo, de comer primeiro toda a casquinha do sonho de valsa e depois mastigar o recheio sozinho. Também já não olho atrás da porta antes de deitar. Ainda não consigo dormir sem meus três travesseiros. Meu marido diz que eles ocupam muito lugar na cama. Ele não pode reclamar: nem durmo mais abraçada com meu ursinho! </div><br /><div>Crônica publicada na Coop Revista - Novembro / 2.009 </div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-88463391520479678062010-05-25T11:30:00.000-07:002010-05-25T11:51:59.569-07:00O virundum<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuHLI5JPPIb3PTgaCa0WW7wj1BPF3LWpVtpV3UkFF382pSdGq2E7uLEpWi2faQWTONbghh56Pr5EZmJZhBSoe_8OZCncitFnn0kpdrQfHqcpjh0pEo3c8bBjCc3tGImMFQR1oJYOnAdZ4/s1600/cronica+MAIO+2010.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5475282269911999026" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 256px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuHLI5JPPIb3PTgaCa0WW7wj1BPF3LWpVtpV3UkFF382pSdGq2E7uLEpWi2faQWTONbghh56Pr5EZmJZhBSoe_8OZCncitFnn0kpdrQfHqcpjh0pEo3c8bBjCc3tGImMFQR1oJYOnAdZ4/s320/cronica+MAIO+2010.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><strong><span style="color:#ff6600;">O virundum<br /></span></strong>Lucia Sauerbronn<br />O nome do hino não é o virundum. O herói nunca foi cobrado, nem o bravo tem turbante. Os raios não fugiram. E o Lázaro estalado não tenta ninguém.<br />Pode parecer piada, mas há quem diga umas barbaridades dessas durante a execução do Hino Nacional. Se até lendo a letra você também não entende bulhufas do que dizem seus versos, não está sozinho. Já vi muita gente importante, com a mão no peito, mexer a boca e fingir cantar, enrolando a letra. Principalmente quando aparecem em close na TV. Imagine as bobagens que sairiam se colocassem um microfone diante deles.<br />É que, de ouvido, nosso hino parece ter sido escrito em javanês, e muitos apenas repetem os sons que as palavras formam sem ter a menor ideia do que estão cantando. Parece falta de respeito, mas é compreensível. A melodia foi composta pelo maestro Francisco Manoel da Silva há quase dois séculos, em 1822, ano da Independência. Naquela época, começava assim: “Os bronzes da tirania já no Brasil não rouquejam. Os monstros que a escravizam já entre nós não vicejam...”.<br />Em 1909, os políticos acharam que a letra era difícil e decidiram promover um concurso para escolher versos que representassem melhor o Brasil. O poeta Joaquim Osório Duque Estrada faturou o prêmio.<br />Ele escreveu um belo poema, que conta direitinho como Dom Pedro I mandou para a corte portuguesa o recado de que os brasileiros já eram donos do próprio nariz. Ainda descreve as belezas naturais da nossa terra e enaltece as características pacíficas, mas não submissas, de seu povo.<br />Só que agora, cem anos depois, o jeito de o brasileiro se expressar ficou tão mais simples e direto que já chegaram até a pensar em mudar de novo a letra. Não concordo. Mas acho uma pena que nem todos compreendam o sentido dos seus versos.<br />Por isso, me atrevi a preparar uma livre tradução da letra oficial. O Duque Estrada me perdoe:<br />Às margens do riacho do Ipiranga, ergue-se a espada e um grito anuncia que, a partir daquele instante, o Brasil deixa de pertencer ao reino de Portugal e torna-se independente. Seu povo não tem medo de lutar pela liberdade e está disposto a morrer por seu país belo, forte e tão grande quanto o futuro que o espera. Cheios de amor e esperança, os brasileiros amam sua pátria generosa.<br />As estrelas do Cruzeiro do Sul brilham nas noites claras no imenso céu do Brasil, um país grande, que se destaca entre todos os outros da América. Uma terra de muitas praias, solo rico, campos férteis e florestas repletas de plantas e animais de incontáveis espécies. Os que nasceram e vivem no Brasil amam mais e são mais amados. As estrelas da bandeira brasileira simbolizam o amor. Suas cores, o verde e o amarelo, representam um futuro cheio de paz e o passado de glórias. Mas, se for preciso ir à guerra, nenhum brasileiro deixará de lutar, porque quem ama a pátria não tem medo da morte. Entre todos os países, o mais amado é o Brasil. Uma pátria generosa, amada por todos os brasileiros.<br />Não é o hino mais bonito do mundo? E fica mais belo ainda quando os brasileiros de norte a sul se unem em coro nas vitórias dos atletas canarinho em campeonatos mundiais, seja no futebol, na fórmula 1 ou nas Olimpíadas. Nossa alma brasileira se enche de uma fé inabalável no futuro. É de arrepiar.<br />Agora, que vamos ter Copa do Mundo, o país inteiro vai cantar, com fé e orgulho, a terra em que nasceu. Procure na internet a versão correta e decore a música direitinho. Se precisar, fique com a letra na mão, para não confundir a primeira parte que diz Brasil, um sonho intenso, um raio vívido com a segunda que começa com Brasil, de amor eterno seja símbolo...<br />Quando você ouvir os primeiros acordes da música composta por Francisco Manuel da Silva, coloque a mão direita sobre o coração e torça pela sua Pátria amada. Feche os olhos e imagine cada cena que as estrofes exprimem. Pode chorar à vontade. Se a gente prestar atenção no hino, sem falsa modéstia, ele é o retrato do Brasil e dos brasileiros.<br />Crônica publicada na Coop Revista - Maio / 2010</div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-728561921978591882010-05-10T11:08:00.000-07:002010-05-10T11:13:06.523-07:00Santa Semana!<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilzuKq5HNM8tF1j37z7CnsyGpRXV7hcCiuAVpdlez95KmwU-xRCReXXvHCVLaCl5iDrYVFAUSit2ZbTrFo2oTM95tJCQ2gEjLoChxNRX72aDTYHi3r56m742DrQMKIyy9paWE2DJ_gnkk/s1600/cronica+ABRIL+2010.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5469705964028617586" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 238px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilzuKq5HNM8tF1j37z7CnsyGpRXV7hcCiuAVpdlez95KmwU-xRCReXXvHCVLaCl5iDrYVFAUSit2ZbTrFo2oTM95tJCQ2gEjLoChxNRX72aDTYHi3r56m742DrQMKIyy9paWE2DJ_gnkk/s320/cronica+ABRIL+2010.jpg" border="0" /></a><br /><div><span style="color:#ff0000;"><strong>Santa semana!</strong></span><br /><br /><div>Lucia Sauerbronn<br />Quando eu era criança, aquela semana me enchia de terror. Os rituais começavam tranquilos no domingo de Ramos, mas a partir da noite de Quinta-Feira Santa eu vivia entre a ansiedade e o medo. Na igreja lotada, escolhia um lugar de onde pudesse identificar, entre os doze apóstolos, Judas Iscariotes, que trairia Cristo por 30 moedas de prata. E tentava compreender como o amigo seria capaz de entregar o Mestre que, numa atitude humilde, lavava os pés dos companheiros e dividia com eles o pão e o vinho. Por causa de Judas, Jesus seria preso, julgado e condenado à cruz. Quando a missa acabava, os altares se cobriam de luto, as toalhas brancas eram trocadas por roxas, não havia mais enfeites dourados, nem flores, nem velas.<br />O dia seguinte seria de penitência e reflexão. A Sexta-Feira da Paixão era sempre lenta e silenciosa. As pessoas falavam baixinho, rádio e televisão eram desligados. As crianças se alimentavam de peixe e vegetais, os adultos jejuavam. À noite, eu acompanhava minha tia à Procissão do Enterro. Vestidos de preto, os fiéis se arrastavam pelas ruas ao som triste de músicas fúnebres, seguindo o andor com Cristo morto, Nossa Senhora das Dores atrás. No meio da praça, arrepiada de medo, eu me escondia na sombra dos adultos, mas não desgrudava os olhos de Verônica, a mulher que enxugou o suor de Jesus. Enquanto cantava em latim sua melodia chorosa, ela desenrolava o tecido de linho em que o morto deixara estampada a expressão do seu sofrimento.<br />A procissão seguia em fila até a igreja, para beijar as chagas de Cristo. O que meus olhos viam não era uma imagem de gesso, mas um corpo sem vida, mãos e pés com as marcas profundas dos cravos que o prenderam à cruz. Na cabeça perfurada pela coroa de espinhos, as gotas de sangue me pareciam ainda úmidas. As cenas da Via Sacra, do julgamento à crucificação, invadiam meu sono e se multiplicavam em sonhos sombrios.<br />No Sábado de Aleluia eu era acordada pelo vozerio das crianças malhando o Judas. Vingar a morte de Jesus era uma diversão inocente e deixava o coração um pouco mais leve. Eu passava o resto do dia entretida com papel crepom e cartolina, preparando o cesto onde o coelhinho colocaria seus ovos.<br />Na madrugada de Páscoa, todos acompanhavam a procissão do Cristo ressuscitado. Ao som alegre do coro de vozes, as janelas iam se abrindo para a rua iluminada pelas lanternas de vela, protegidas da brisa gelada por cones de papel.<br />Os anjos, todos os anjos...<br />Depois da missa, a manhã de outono nascia mansa. Redondo e vermelho, o sol rompia de leve a linha do horizonte. Descíamos a rua de terra em bandos, tomados de uma alegria genuína pela beleza daquele instante. Eu abria o portão e martelava eufórica a campainha, acordando quem ainda dormia para procurar o que o coelhinho tinha deixado em nossos cestos. Eram sempre pequenos ovos de chocolate, algumas balas e confeitos coloridos, que faziam a nossa alegria. Talvez já fôssemos um pouco grandes para acreditar. Mas a festa era tão boa que nem mesmo meu irmão, adulto, fazia questão de ser sabido e estragar tudo contando que coelhos são mamíferos.<br />Devorávamos os doces durante a manhã, enquanto tios e primos iam chegando para o almoço que minha mãe preparava. A casa se enchia de vozes, as mulheres na cozinha, os homens cuidando das bebidas, os jovens ouvindo os hits da Jovem Guarda, as crianças brincando de bola ou amarelinha.<br />Tenho saudade desses momentos mágicos, numa época em que os dias eram mais lentos. Não havia tantos recursos nem tanta abundância. Ninguém sentia falta do que não precisava. As pessoas tinham desejos simples, princípios morais firmes e uma fé inabalável que as fazia ir adiante. Perdiam o emprego, tinham problemas financeiros, ficavam doentes. Mas as famílias eram solidárias: jamais abandonariam um dos seus sem apoio e ajuda. Talvez por isso não me lembro de alguém que tivesse depressão ou stress.<br />Quando meus filhos nasceram, fiz questão de manter a tradição. Traumatizada pelas minhas próprias lembranças, nunca tive coragem de levá-los para assistir aos rituais da Semana Santa. Mas, ano após ano, preparamos nossos cestos e os escondemos no jardim. Numa dessas manhãs, meu filho mais velho, atordoado de felicidade, jurou que tinha visto a pata do coelhinho da Páscoa fugindo de casa. Acho que ele viu mesmo. A imaginação às vezes é mais verdadeira que a realidade.</div><br /><br /><div>Crônica publicada na Coop Revista - Abril / 2.010 </div></div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-29679766812517444352010-04-26T07:52:00.000-07:002010-04-26T07:56:48.233-07:00O menino da janela<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg34FIhx5-ce4Ms1TZ7cHKh2zJm2Tc8eXjLFU3LdsIA8QsvXZ4rG0tmlD7UWQMcgAw0wOL-vDtwcXXlHli4FzzXsTRJUp6N5D3cifEsTafOt4MPZCfT2zIPHiWmF2joVSaQj1O-V1rkDHw/s1600/cronica_jan10.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5464460214662024322" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 270px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg34FIhx5-ce4Ms1TZ7cHKh2zJm2Tc8eXjLFU3LdsIA8QsvXZ4rG0tmlD7UWQMcgAw0wOL-vDtwcXXlHli4FzzXsTRJUp6N5D3cifEsTafOt4MPZCfT2zIPHiWmF2joVSaQj1O-V1rkDHw/s320/cronica_jan10.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><span style="color:#ff0000;"><strong>O menino da janela</strong></span></div><br /><div>Lucia Sauerbronn<br />Abaixo a obsessão por limpeza! Chega de crianças limpinhas, casas super-higienizadas, escovas de dentes desinfetadas! Pesquisadores americanos acabam de descobrir que sujeira faz bem à saúde. Conviver com bactérias ajuda a prevenir inflamações, melhora o sistema imunológico e fortalece o organismo contra alergias.<br />Nossas mães já sabiam. Minha geração cresceu engatinhando no quintal, comendo tatu bolinha, caçando vagalume, cavocando a terra atrás de minhoca, mastigando bicho de goiaba, chupando manga com casca sem lavar. E lambendo o caldo que escorresse pelo braço encardido. Pisavam em pregos enferrujados, rasgavam sola do pé em caco de vidro, arranhavam braços e pernas em espinho e arame farpado, davam topada em pedra e perdiam a unha do pé, levavam mordida de cachorro, vespa, maribondo, abelha. Ninguém ia à farmácia – e muito menos ao hospital – por causa disso. Para não parar a brincadeira, bastava limpar a ferida com cuspe. Se a coisa fosse feia, merthiolate ardia, mas resolvia. A mãe soprava, dizendo: antes de casar, sara.<br />Cachorro e gato viviam no quintal. Eram livres para dar suas voltinhas. Traziam da rua bilhões de germes, micróbios e bactérias, mas ninguém se importava. Quando tomavam banho, era uma farra. Ficava quase impossível distinguir criança de animal naquela mistura de alegria molhada a mangueira e sabão em pedra. Às vezes nasciam uns filhotinhos. Cão e gato vira-latas eram gracinhas logo adotadas pela vizinhança.<br />Portão de casa não tinha tranca. Quando tinha, vivia quebrada, de modo que não havia fronteira entre o quintal e a rua. Depois da escola, ninguém tomava banho. Almoçava e ia brincar. Voltava na hora do jantar, sujo e enfarruscado. Nos dias de calor, as mães mandavam tomar banho no tanque. Nas tardes de tempestade, o chuveiro servia para aquecer o corpo gelado de correr na chuva, chafurdar nas poças d´água e soltar barquinhos de papel.<br />Em casa, bebia-se água do filtro de barro. Mas a melhor era da bica, onde a água escorria do cano envolto em musgo e bolor. Não menos contaminado do que as xícaras e pratinhos com que as meninas brincavam de comidinha. O bolo era feito de lama. Meninas gostavam de ir colher flores no campo. Apertar sementes de maria-sem-vergonha, fazer buquê de cravo-de-defunto, desfolhar margaridinhas recitando bem-me-quer, mal-me-quer, chupar o suco da flor de maravilha e morder o cabo da azedinha. Meninos também faziam excursões no mato. Iam atrás das mamonas, para guerra de semente. Quando cansavam, cortavam os talos para brincar de bolha de sabão, surrupiando do tanque o pacote de detergente em pó.<br />Éramos todos sadios, apesar das chupetas de caramelo queimado, quebra-queixo e puxa-puxa vendidos em tabuleiros de madeira encardida. Ainda não existia vigilância sanitária, mas não conheço criança que tenha morrido por chupar as balas de açúcar que vinham soltas nas caixinhas-surpresa misturadas com anéis de arame e<br />plástico colorido. Às vezes o doce caía no chão. Era só dar uma sopradinha para espantar a poeira e colocar logo na boca, dizendo que o que não mata, engorda.<br />Vez ou outra alguém tinha diarréia, curada com muita limonada. Se um de nós pegasse catapora, caxumba ou sarampo, os amigos iam fazer uma visitinha. Passavam a tarde jogando dominó, ludo, batalha naval. Voltavam para casa felizes e infectados. As mães incentivavam. Como não havia vacina, era melhor pegar logo o vírus, antes de ficar adulto.<br />Cuidado e caldo de galinha nunca matou ninguém. Mas até excesso de canja pode causar indigestão.<br />O menino da casa azul via o mundo através da janela. Era muito asseado. Roupas limpas e bem passadas, meias e sapatos engraxados, uma eterna blusa de lã. Não saía de casa para não apanhar friagem. Não tinha cão nem gato. Era alérgico. Não saía na rua porque era perigoso. As crianças do bairro desistiram de chamar para brincar. A mãe sempre dizia que ele estava doente. Acho que sofria de tristeza e solidão.<br />Publicado na Coop Revista - Janeiro / 2.010</div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-47511233182093903702010-04-13T11:01:00.000-07:002010-04-13T11:06:09.196-07:00Olha o passarinho!<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5lebXP8Drq45mfSIKhngrwXDFG2y1rH7xFUSjb9snNOXa1gQdyFjskIqrlB8C3NF2UtnnXGq1YF3WDiXLN24eqN4iwvIJJz9nGTfegFT0bMi33NrVeMHGWSL9Y2dXvpJuIwPA1b5WTmg/s1600/cronicaFEVEREIRO10.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5459684912706239762" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 192px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5lebXP8Drq45mfSIKhngrwXDFG2y1rH7xFUSjb9snNOXa1gQdyFjskIqrlB8C3NF2UtnnXGq1YF3WDiXLN24eqN4iwvIJJz9nGTfegFT0bMi33NrVeMHGWSL9Y2dXvpJuIwPA1b5WTmg/s320/cronicaFEVEREIRO10.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><span style="color:#330033;"><strong>Olha o passarinho!</strong></span><br /><span style="color:#330033;"><span style="color:#000000;">Lucia Sauerbronn</span><br /></span>A de cabelos cacheados é sua tia Circe, ao lado da irmã, Delta. Os mais velhos são o Henrique<br />e o Rui. Nessa foto, eu ainda era o caçula dos 11 filhos – depois viriam mais dois. Estou no colo de minha mãe. Atrás dela é seu avô, que morreu quando eu tinha três anos.<br />Quando chovia muito e era impossível brincar no quintal, eu pedia para ver a velha caixa de fotos. Diante delas, meus pais iam contando histórias de família enquanto matavam a própria saudade. Aqueles homens de ar compenetrado, mulheres e crianças em roupa de domingo revelavam amores, segredos, vitórias, tragédias, sonhos – realizados ou frustrados – de um passado que não vivi, mas era meu.<br />As mais antigas eram em papel-cartão, cujas bordas se desmanchavam pela ação do tempo. Havia algumas em papel brilhante, tiradas por fotógrafos lambe-lambe na praça. As que eu mais gostava eram de minhas tias em pose de artista de cinema. Por influência de uma Hollywood que apenas começava, as moças costumavam ir ao fotógrafo para registrar o auge de sua juventude e beleza. Guardadas numa capa cinza e protegidas por papel de seda, eram oferecidas como presente aos parentes próximos. Ou ao pretendente, quando o compromisso se tornava sério. Outra foto como aquela só no dia do casamento: o noivo de terno preto e cravo na lapela; a noiva num vestido branco e buquê de flor de laranjeira. Fotografias eram caras, e apenas ocasiões muito especiais mereciam o investimento. Porta-retratos com bebês flagrados em seis poses costumavam enfeitar a parede da sala, ao lado das mesmas crianças no dia da primeira comunhão.<br />Poucas famílias tinham máquina fotográfica, tipo caixote, para registrar eventos importantes como festas, viagens ou o crescimento dos filhos. O resultado eram instantâneos solenes, guardados como relíquia em álbuns e identificados com nome, local e data numa letra caprichada. Havia também algumas de lembranças da escola, o aluno entre a professora e a bandeira nacional.<br />Ninguém desperdiçava fotografia: o filme era caro, a revelação, mais ainda. Guardava-se até as que estavam fora de foco, as muito claras ou escuras demais. Podiam não ser perfeitas, mas refletiam momentos que jamais voltariam. Amarelavam, perdiam a cor, as imagens se desfaziam lentamente. Só de olhar esses detalhes, dava para descobrir em que época tinham sido tiradas.<br />Quando cresci, as câmeras já eram comuns, e passei a fotografar de tudo: colegas de classe, a cidade, casas, família. Fiz questão de guardar nosso passado impresso em papel fotográfico para mais tarde mostrá-lo aos meus filhos. Deu certo. Vivemos momentos bem divertidos relembrando como conheci o pai deles, o dia do casamento, a lua de mel, o nascimento de cada um, os primeiros passos, as festinhas de aniversário. Era engraçado comparar as imagens antigas com as mais recentes. Com o tempo, eles foram fazendo suas próprias fotos. Tantas, que não couberam em caixas. Encomendei um grande armário e enchemos as prateleiras com os álbuns, que precisam ser limpos de tempos em tempos para eliminar as traças e o mofo. Um trabalhão.<br />Tudo ficou bem mais fácil depois que inventaram as câmeras digitais. Pequenas e práticas, as danadas são inteligentes e fazem tudo sozinhas. Acertam foco, controlam luminosidade. Como dá para deletar as que não ficam boas, ninguém mais aparece piscando nem fazendo careta. Todo mundo sai bonito. E, se não sair, é fácil apagar as ruguinhas e eliminar os quilos extras usando o Photoshop do computador. Fica perfeito. Tão perfeito que nem parece que é a gente de verdade.<br />Acabou aquela história de gastar com filme e ampliação. Dá para gravar tudo num CD, que não ocupa espaço e mantém as imagens como novas para sempre. Para revê-las, basta colocar o disco no computador e ir apertando a tecla enter, que as imagens aparecem na tela.<br />Adoro fotografar e agora dou cliques a torto e a direito, mesmo quando estou sem minha máquina fotográfica. Já faz tempo que o celular vem com câmara embutida. É tão fácil que, às vezes, exagero. Não sou a única. Fotografar virou praga mundial. Outro dia, um amigo mandou de presente as que tirou durante viagem ao exterior. Eram 2.800! Tinha até foto de tampa de bueiro!<br />Contando as que eu mesma tirei e as que os amigos e parentes enviam por e-mail, nos últimos cinco anos juntei umas 20 mil fotos. Pela expectativa de vida da minha geração, calculo ter ainda umas três décadas pela frente. Isso significa que, ao ritmo de 4.000 fotos por ano, serão no mínimo umas 150 mil para me ajudar a relembrar o passado. O que não sei é se, quando eu ficar velhinha, vai existir alguém com paciência para me ouvir contar tanta história...<br />Crônica publicada na Coop Revista - Fevereiro / 2.010 </div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-13248561516295344012010-03-23T06:10:00.001-07:002010-03-23T06:15:20.525-07:00Cheirinho de Amor<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZcg1fUgbdfIswdp5uGsFmyYQ68npcGJAH7L3omqsYT8ObY4_inLI0_wl3eiXtWSLIg3zY9O_N7FvG1go_TWhkYzz7IkhTricahYGyLDzmq-pqBtRWeCXI5aPmCNe6J14zimfGkU7JK0k/s1600-h/cronica+mar%C3%A7o+2010.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5451816292116147554" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 250px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZcg1fUgbdfIswdp5uGsFmyYQ68npcGJAH7L3omqsYT8ObY4_inLI0_wl3eiXtWSLIg3zY9O_N7FvG1go_TWhkYzz7IkhTricahYGyLDzmq-pqBtRWeCXI5aPmCNe6J14zimfGkU7JK0k/s320/cronica+mar%C3%A7o+2010.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><span style="color:#660000;"><strong>Cheirinho de amor</strong> </span></div><div><span style="color:#660000;"><span style="color:#000000;">Lucia Sauerbronn </span><br /></span>Fico na maior saia justa quando digo muito prazer a uma pessoa a quem já fui apresentada. Passo por mal educada. Peço perdão, embora não tenha culpa. É que minha memória visual é péssima. Em compensação, tenho nariz de cão farejador. Sou capaz de lembrar de alguém por um rastro de perfume ou sabonete, se bem que isso não ajude no relacionamento social. Até pensei em trocar o tradicional beijo de cumprimento por uma fungada. Só não sei como as pessoas reagiriam à novidade.<br />Se os olhos me falham, o nariz é capaz de me transportar às lembranças mais distantes. Sabonete Phebo, creme dental Kolynos e lavanda de alfazema trazem de volta a sensação do beijo de minha mãe, quando me punha para dormir em lençóis de algodão engomados e branqueados de anil. Minhas lembranças de infância são sempre assim, impregnadas de cheiros de Toddy gelado, Grapete, bala de framboesa, drops Dulcora, caderno novo, plástico de encapar, goma arábica, giz de cera, lápis de cor, grafite, borracha, piso de madeira encerado, a mistura mofo e cigarro de velhos cinemas.<br />Meu nariz deve ter o dobro dos cinco milhões de células receptoras de um nariz normal e parece ser capaz de reconhecer outros tantos milhões de odores diferentes. Para mim, os cheiros guardam sempre outros cheiros. De manhãzinha, o mato tem aroma fresco e suave. Sob o sol forte, se torna doce e intenso. Mas muda totalmente na garoa do inverno, e é diferente sob a chuva de verão.<br />Antigamente, eu gostava de caminhar na cidade de olhos fechados. Brincava de identificar, pelo cheiro, onde ficavam dentista, açougue, loja de tecidos, hospital, jornaleiro. Casas e terrenos baldios exalavam perfume de rosas, café, mamona, estrume, terra molhada, feijão temperado, horta, cigarro. Hoje, meu olfato embotou. Nas ruas, tudo o que sinto é o ar sufocante e impregnado de dióxido de carbono. Ao invés do nariz, tenho que apelar para o GPS.<br />Dá para viver sem enxergar ou ouvir. A vida pode ficar sem graça, mas ninguém morre se não tiver tato ou paladar. Posso estar exagerando, mas aposto que o nariz é o grande responsável pela preservação do reino animal no planeta. Não digo isso por sua função mais óbvia, que é respirar. Sem olfato, não seria possível, por exemplo, saber se um alimento está bom ou estragado sem precisar experimentar. E só de experimentar, comida estragada é capaz de matar. O ser humano parece ter esquecido disso, mas o cheiro tem outra função importante.<br />Segundo os cientistas, o amor não começa quando os olhares se encontram, mas quando um aspira os odores do outro, que emanam feromônios, os hormônios do corpo. Misturados a outros próprios, como suor e hálito, eles desencadeiam a atração e o desejo sexual. Quando as pessoas se beijam, aproximam os narizes e aspiram a química do outro. É assim que escolhem com quem querem conviver. E assim descobrem se o que vai rolar é namoro ou amizade.<br />Fiquei preocupada. Eu mesma abuso de perfumes, cremes, desodorantes, xampus, pasta de dentes, resultando numa mistura de baunilha, chocolate, limão, maçã e hortelã. Se não tomar cuidado, meu marido pode me confundir com um prato de sobremesa.<br />Se os cientistas estiverem certos, vai ser cada vez mais difícil encontrar sua alma gêmea. Bem fazem os cães, que confiam mais no focinho do que na aparência. Quando se encontram, vão logo se cheirando para ver se o caso é de mostrar os dentes ou abanar o rabo. Sábios animais, que se reconhecem e se atraem sexualmente pelo cheiro que exalam.<br />Só que, agora, nem os cães estão livres da praga do cheiro que não é seu. Eles vão ao pet shop, usam xampus, condicionadores, perfumes. Daqui a pouco nem eles serão mais capazes de distinguir macho de cadela. Desse jeito, para ter filhos ou filhotes, vamos todos ter de fazer inseminação artificial...</div><div>Crônica publicada na Coop Revista - Março / 2.010 </div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-75103088691877989112009-08-12T05:31:00.000-07:002009-08-12T05:34:19.689-07:00Amor de quatro patas<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUcgTNL1wyFxJ9QRN7AC39S2nnvIE_vNFw4NnMOEVGjLZWqoM1iYwGLIqKF1dKCM26A20Te94JIWeBBnOwJcIyPES4fquMPpC1sbk5qUcaS2-l2t8JPjlz_8AXA9cv6lBEs6lsDoBP5aA/s1600-h/Cronica+Julho+09.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5369054632325057474" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 273px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUcgTNL1wyFxJ9QRN7AC39S2nnvIE_vNFw4NnMOEVGjLZWqoM1iYwGLIqKF1dKCM26A20Te94JIWeBBnOwJcIyPES4fquMPpC1sbk5qUcaS2-l2t8JPjlz_8AXA9cv6lBEs6lsDoBP5aA/s320/Cronica+Julho+09.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><br />Foi difícil convencer o pessoal lá de casa, mas bati pé. Eu queria um cachorro. Já tinha até escolhido o nome: Milou. Como o do Tim Tim, jornalista aventureiro das histórias em quadrinhos. Alguém lembrou que o companheiro do meu herói era macho, mas não liguei. Quando cheguei ao canil e falei o nome diante da ninhada, ela correu lamber minha mão e me adotou imediatamente. Aquela era uma autêntica Milou.<br />Esperei desmamar. Fui buscar um mês depois e levei um susto. Estava magra e pelada, por causa de uma alergia. Não a reconheci, mas ela, sim. Pulou no meu colo e me encheu de beijinhos. Algumas semanas, muitas loções e vitaminas depois, amarrei nos fiapos do topete o primeiro lacinho que seria sua marca registrada.<br />Desde cedo, a danada mostrou que tinha personalidade. Dava sempre um jeito de conseguir o que queria. Meu marido tinha sido claro: eu poderia manter a cadelinha no apartamento, desde que ficasse dentro dos limites da área de serviço.<br />Ajeitei seu cestinho ao lado da máquina de lavar. No dia seguinte, passou a ocupar o tapete da cozinha. Uma semana depois, já se refestelava no sofá da sala. Numa noite fria, acordamos com aquela bolinha de pelos aninhada aos nossos pés. Meu marido deu uma bronca. Ela não se abalou: passou a esperar ele dormir para se ajeitar entre os lençóis. Pulava da cama ao primeiro sinal do despertador. Quando ferrava no sono e perdia a hora, era sempre o mesmo teatro. Ele fingia ficar bravo, ela fingia estar arrependida. Apoiava a cabeça nas patinhas cruzadas e olhava de lado, como criança pequena quando faz arte.<br />Era uma lady. Tomava banho uma vez por semana, sentava na poltrona para assistir TV, engolia remédio e aguentava injeção sem reclamar. Recebia as visitas na porta, passeava sem coleira, ficava sozinha na entrada da padaria enquanto fazíamos compras. Se íamos ao teatro ou ao restaurante, esperava no carro, sem latir nem fazer bagunça. Acho que ela nunca desconfiou que não era gente. Na feira, nas ruas do bairro, entre os conhecidos, fazia o maior sucesso. Todos queriam um filhote seu. Dos sete que teve, seis estão com amigos. Se contarmos os descendentes, deve haver uma centena de Milouzinhas espalhadas por aí. Até meu pai, que nunca gostou de cachorro, se derretia por ela e lhe preparava bifinhos fritos com cebola. Quando nós viajávamos, eram companheiros de solidão. Quem tem um cão por perto nunca se sente sozinho.<br />Milou veio para ocupar o enorme vazio que os filhos deixaram quando foram cuidar da própria vida. Foi uma época em que meu marido e eu brigamos muito. Quando percebia um de nós triste, ela encostava a cabeça no colo e suspirava, como quem dá o ombro para consolar. Pensamos em nos separar. Meu marido abriria mão de tudo, desde que levasse a cachorra. Alegava que era a única que ficava feliz quando ele voltava para casa.<br />Conforme a idade vai chegando, a gente pensa mais na vida, fica com o coração mole, acha que não vale a pena se chatear por pequenas coisas, discutir por bobagem. Reconciliamos. Passamos a nos perdoar mais. Entre algumas brigas, chantagens emocionais e muitos xixis no tapete, vivemos os três felizes. Achamos que seria para sempre.<br />Cães não duram tanto. Ficou velhinha, doente. Apesar das muitas cirurgias, o mal continuava a crescer dentro dela. Ainda fazia festa e corria a buscar a bola quando chegávamos. Mas logo perdia o fôlego e ia deitar no seu cantinho. A Conceição, que trabalha conosco e de quem ficou grande amiga, se desdobrava para fazer seus pratos prediletos. Ela rejeitava. Já não queria se alimentar.<br />Alguém sugeriu sacrificá-la. Fui covarde. Deixei que seus últimos momentos fossem sofridos, os remédios não faziam mais efeito. Ela já quase não reagia. Apesar da respiração ofegante e do coração fraquinho, ronronou de prazer como um gato enquanto acariciava sua orelha na última noite em que a velei. Esperou eu adormecer para partir.<br />Ajeitamos seu corpo, vazio de lambidas e carinhos, numa caixa branca, junto com a almofada e os brinquedos prediletos. Enterramos ao pé do salgueiro-chorão, que plantei num gramado em homenagem à lembrança do meu pai.<br />A casa está escura e silenciosa. Sei que há muitas histórias tristes nesse mundo. Guerras, doenças, humilhações, crianças sem teto, comida e afeto. Parece até ridículo sentirmos tanto a sua ausência.<br />Mas a relação com um cão é bem menos complicada do que entre seres humanos. Mesmo com nossos filhos e melhores amigos, é preciso ter cuidado com as palavras, passar por cima de inquietudes como inveja, ciúme e ingratidão. Temos de suportar injustiças para não nos sentir mais sós do que de fato estamos. Entre humanos, é difícil não magoar nem ser magoado.<br />Já um cão não guarda rancores nem ressentimentos. Perdoa nossas piores falhas, até mesmo as de caráter, porque não faz julgamentos. O cão é fiel a quem ama. E esse é o único amor incondicional. </div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-82405825061198285782009-06-25T07:34:00.000-07:002009-06-25T07:35:49.109-07:00O barato dos livros de auto-ajuda<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgC-m0lBfxJhr0f30kkkmJTNONE8f-4SZ99FUFjQLQLPgIMXgQIEGA3379HKXZkEf3eNprEz4_OPj0Dxt_IsPm7YGFtd3A1O9IJymWZZC1IzMwlYMdo2jeasS7UrpVrZUnIPoCHVXV6Sls/s1600-h/ABRIL-cronica.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351273529803275938" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 227px; CURSOR: hand; HEIGHT: 239px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgC-m0lBfxJhr0f30kkkmJTNONE8f-4SZ99FUFjQLQLPgIMXgQIEGA3379HKXZkEf3eNprEz4_OPj0Dxt_IsPm7YGFtd3A1O9IJymWZZC1IzMwlYMdo2jeasS7UrpVrZUnIPoCHVXV6Sls/s320/ABRIL-cronica.jpg" border="0" /></a><br /><div><br />O barato dos livros de auto-ajuda</div><div>Lucia Sauerbronn<br />Depois que descobri os livros de auto-ajuda parei de fazer análise e me entupir de pílulas contra a insônia. Esses manuais são um santo remédio para crises existenciais, angústia, rejeição, timidez e medo. Não é à toa que andam vendendo mais do que Viagra. Eles ensinam a usar o poder da mente para alcançar sucesso, dinheiro, felicidade, fazer amigos, tornar-se uma fera na cama, conquistar um grande amor, viver um casamento perfeito, criar filhos inteligentes, conviver com a sogra e ensinar o cachorro a parar de fazer xixi no tapete.<br />Confesso que nunca fui de acreditar em fórmulas mágicas. Mas, depois descobri o segredo, passei a me concentrar fortemente nos meus desejos. Minha vida mudou completamente. Não tinha idéia do poder do pensamento positivo. Por exemplo: mesmo dirigindo atrasada, agora não me abalo diante de um farol vermelho. Fixo o pensamento na cor verde e segundos depois, o sinal se abre. É impressionante!<br />Esses autores iluminados escrevem cada coisa que, confesso, me tornei dependente. Aprendi a controlar o stress, combater a depressão, a tristeza, a insônia, a solidão, o mau-humor. Não passo um dia sem visitar a livraria. Fico horas na sessão de auto-ajuda conferindo os lançamentos. Para cada problema há uma dezena de livros apontando a solução.<br />Minha auto-estima, por exemplo. Melhorou muito com a neurolinguística. Quando olho no espelho e acho que envelheci, repito bem alto que estou cada dia mais jovem e mais bonita. Até meus cabelos brancos desapareceram, depois que troquei pensamentos negativos por ações positivas. Descolori de vez os fios e agora sou loira e feliz.<br />Nas crises de baixo-astral, ergo os braços bem alto para absorver a energia cósmica. Demora uns trinta minutos, porque o universo é muito grande e distante. Sinto sua força invadir meu corpo quando os braços começam a formigar.<br />Os livros também explicam direitinho que, para ficar rico, ninguém precisa acertar sozinho a mega sena. Precisa é pensar como os ricos. Agir como os ricos. Usar a força do subconsciente para acionar a lei da atração, acreditando firmemente que suas dívidas são lucros.<br />Para enriquecer em família, um futuro milionário deve começar convencendo a mulher e os filhos da necessidade de fazer sacrifícios. Como, por exemplo, passar três anos a pão e água. Diante das tentações da mesa, devem imaginar o sabor de todas as delícias que poderão comer à vontade quando se tornarem ricos.<br />Confesso que achei mais fácil realizar os doze trabalhos de Hércules do que seguir os sete hábitos das pessoas altamente eficazes. Em compensação, descobri que para subir na carreira basta meditar como um monge, ter o entusiasmo de um adolescente que dá o primeiro beijo, estar preparado para enfrentar os desafios, ser um guerreiro criativo, flexível e ágil. Um bom profissional precisa ter, acima de tudo, capacidade para superar as adversidades, como concordar com as ordens estúpidas de um chefe incompetente, aturar um diretor chato e dominar a raiva diante do colega folgado que é sobrinho do patrão. Para garantir, é bom estudar chinês e fazer MBA.<br />O problema dos livros de auto-ajuda é que eles são tão numerosos que fico confusa na hora de escolher um título. Os livreiros deveriam ajudar, reunindo os livros por tema. Dava para fazer uma seção só de títulos como “O que aprendi com...”: o meu carteiro, os caiapós, o lápis, minha mãe, o Roberto Jefferson, a Bruna Surfistinha, os gansos, os pingüins.<br />E as baratas? Ninguém ainda falou sobre as baratas? Puxa, elas são a síntese de tudo o que aprendi com os livros de auto-ajuda. Um verdadeiro exemplo de adaptação e superação.<br />A barata pode ficar até uma semana sem se alimentar. Como tem pequenos cérebros espalhados por todo corpo, vive sem cabeça e só morre de sede em uma semana. Jogar no vaso sanitário não resolve: seu fôlego dura 40 minutos. Gatos que comem baratas morrem de toxoplasmose. Inseticidas são eficazes para matar a barata, mas não seus ovos. Seus baratinhos vão nascer resistentes ao veneno.<br />As baratas enfrentaram todas as alterações sofridas pela Terra nos últimos 300 milhões de anos. Os dinossauros desapareceram, mas as danadinhas não. Baratas podem comer qualquer coisa, até lixo atômico e sobreviverão ao apocalipse. Para matar uma barata, só com uma chinelada daquelas de espalhar meleca para todo lado.<br />Os autores de auto-ajuda estão ganhando uma grana preta. Acho que estou desperdiçando talento. Vou escrevrer um livro chamado “O que aprendi com as baratas”. Vou fazer o maior sucesso. Ficar milionária, virar celebridade, dar palestras, seminários, cursos, work-shops. Quem sabe, até consultoria para a indústria de inseticidas. Afinal, as baratas são a síntese de tudo o que aprendi com os livros de auto-ajuda.<br />Crônica publicada em Abril / 2008</div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-46330252598586296692009-06-25T07:17:00.000-07:002009-06-25T07:34:00.664-07:00Macacos e homens<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVcqVQ9W7BxlcpOxYQIVTfzTJlykOG8gqXa1-Q_RGPcvphaV0RvHnTmUvi1YwbYIQ2EMAoruq_XYiSqFd7J6h5dv6iQQDQ3cmAgnuTemTXUTyL4d6yTL-p5XAal6FC54Mk3Pu3Z3uE7wg/s1600-h/CRONICA-macacos.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351273366539272578" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 227px; CURSOR: hand; HEIGHT: 168px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVcqVQ9W7BxlcpOxYQIVTfzTJlykOG8gqXa1-Q_RGPcvphaV0RvHnTmUvi1YwbYIQ2EMAoruq_XYiSqFd7J6h5dv6iQQDQ3cmAgnuTemTXUTyL4d6yTL-p5XAal6FC54Mk3Pu3Z3uE7wg/s320/CRONICA-macacos.jpg" border="0" /></a><br /><div><br /><br />Macacos e homens </div><div>Lucia Sauerbronn<br />Na Tailândia, os plantadores de coco usam macacos para fazer a colheita. Eles dão conta do recado direitinho e nem precisam de ferramentas. Em troca de algumas bananas, giram o fruto até quebrar a haste e ainda se divertem atirando os cocos lá de cima. Parece que a prática é antiga. E tão eficiente que os agricultores decidiram utilizar a técnica para colher mangas, mas não deu muito certo. Delicadas, as mangas devem ser retiradas no ponto certo para amadurecer e, se atiradas do alto, ficam imprestáveis para o consumo. Como a tarefa é mais complexa, o pagamento com bananas não fez o mesmo efeito. Quando um macaco mais esperto conseguiu retirar a fruta certa, o plantador ficou tão feliz que, para comemorar, abraçou o bicho. Na mesma hora, ele subiu na árvore e pegou outro fruto – do jeitinho do primeiro – e voltou para buscar um novo abraço. Hoje, a produção de mangas da Tailândia é colhida em troca de abraços e todos estão rindo à toa. Macaco não quer só comida. Também quer amor, diversão e arte. Faz sentido.<br />Uma vez assisti na TV um programa científico que mostrava uma experiência com macaquinhos. Havia três grupos deles. No primeiro, os filhotes foram deixados com a mãe. No segundo, a mãe era substituída por uma espécie de robô. Os do terceiro grupo viviam sozinhos, alimentados por uma mamadeira presa às grades. Os macaquinhos criados com a mãe eram sadios e alegres. Os do segundo grupo cresceram enroscadinhos entre si, grudados no pescoço do robô. Já os outros tornaram-se solitários, tristes e agressivos. Ficaram doentes e, depois de algumas semanas, apenas um sobreviveu.<br />Quando vejo crianças vendendo balas ou pedindo dinheiro nos faróis, acredito que eles acabam, de uma forma ou de outra, se alimentando. Por uma questão pessoal, ao invés de dar uns trocados, prefiro conversar. Pergunto da escola, da professora, de que matérias mais gostam. Elas abrem um largo sorriso e começam a contar que preferem matemática ao português, e até confessam que querem ser médicos ou professores quando crescerem. Se não estudam – e olha que são poucos, pois quase todos têm família – vou logo falando da importância de pensar no futuro. Dizem que me arrisco. Pode ser. Sei que é pouco, muito pouco. Mas acho que essa relação rápida e afetiva faz bem para mim e para eles, que conversam comigo até o farol abrir e depois me dão tchau, felizes como se tivessem sido abraçados.<br />Nunca recebi uma resposta agressiva, nem eles insistiram para que eu comprasse balas ou exigiram moedas depois. Uma vez, num congestionamento, bati um longo papo com dois meninos muito simpáticos e espertos. No final, quis comprar as balas que vendiam mas, consultando a carteira, encontrei apenas uma nota de cinqüenta. Como que para pedir desculpas, abri a carteira e levei a maior bronca. Eles me aconselharam a nunca mais mostrar que tinha dinheiro, pois corria o risco de ser assaltada. E me deram a caixinha de balas de presente. Não tive coragem de rejeitar. Saí de lá com a sensação de que devia a eles muito mais que um punhado de balas.<br />Dizem que os seres humanos são meio aparentados com os macacos. Não sei quem puxou a quem, mas nós também somos capazes de fazer qualquer coisa por um chamego. Mesmo alimentados, bebês choram pedindo colo. Maiorzinhos, se não têm atenção, fazem birra. Adolescentes, fazem barulho. Adultos, tornam-se arredios ou chatos. Se alimento fosse tudo, as pessoas que comem três vezes por dia seriam felizes, equilibradas e saudáveis. Apenas os famintos cometeriam crimes, ultrapassariam sinais fechados e brigariam pelo controle remoto da TV. Mas não é bem assim. Os macacos estão certos. Na maioria das vezes, tudo o que precisamos é de um abraço. Artigo que se torna cada vez mais raro que um prato de comida.<br />Na Tailândia, a colheita de mangas pelos bichinhos é um sucesso. Mas nunca será tão simples quanto a de cocos. É que, embora os macacos andem fazendo fila atrás de uma vaga no serviço, eles rejeitam abraçadores profissionais. Preferem aqueles que se mostram sinceramente agradecidos por seu desempenho.<br />Crônica publicada na Coop Revista - Outubro / 2000</div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-25857691615310090252009-06-25T07:14:00.000-07:002009-06-25T07:17:06.655-07:00A cadela e o papagaio<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYtusy4GhK0LC5X1vt0ammhhXXEZp9Hu9I4EfsA3Ti9_2ViniJVqS37_InsFZfvYyngtOOdA74-qkcfEpRHCYzd_xNEg17C0cRNSaIsAXMJiXlArYocmDmP_eIo55DfteAFdAz6K6gTQs/s1600-h/cronica-MARÃO2008.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351268897040619506" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 228px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYtusy4GhK0LC5X1vt0ammhhXXEZp9Hu9I4EfsA3Ti9_2ViniJVqS37_InsFZfvYyngtOOdA74-qkcfEpRHCYzd_xNEg17C0cRNSaIsAXMJiXlArYocmDmP_eIo55DfteAFdAz6K6gTQs/s320/cronica-MAR%C3%87O2008.jpg" border="0" /></a><br /><div><br />A CADELA E O PAPAGAIO </div><div>Lucia Sauerbronn<br />Quando as crianças eram pequenas, aos sábados dormiam na casa dos avós. As manhãs de domingo eram nosso momento de paz. Sem relógio e sem filhos, a gente não saía da cama, com direito a namorar, vagabundear e dizer as bobagens que os casais apaixonados costumam dizer. O silêncio daquelas manhãs mágicas só era quebrado pela conversa entre nossa cadela e o papagaio do vizinho.<br />Vocês podem não acreditar, mas naquela época bichos de estimação eram tratados como animais. Não dormiam aos pés da cama, não comiam ração vitaminada nem iam ao pet shop. Vida de gato, por exemplo, era fácil. Bastava ser gato. Já o cachorro tinha obrigação de cuidar da segurança da casa.<br />Não era o caso da Chaira, uma linda boxer de pelo marrom e focinho branco. Nós a compramos para fazer companhia aos meninos. Quando chegou, era pequena e engraçadinha. Por algum tempo, os três viveram felizes, jogando bola e rolando pelo tapete da sala. Diferente dos cães do bairro, ela dormia numa almofada no quarto e de manhã acordava as crianças com beijinhos lambidos.<br />Ela cresceu bem mais depressa que os meninos. Logo eles passaram a fugir dos seus carinhos estabanados, que já então machucavam. O jeito foi construir uma casinha para ela no fundo do quintal. Por algum tempo, fomos para a cama cheios de remorso, ouvindo seus gemidos na solidão da noite.<br />Sair no quintal virou uma tortura. Ela babava e urinava de gratidão por qualquer cosquinha na cabeça. Inconformada em ficar sozinha, prendia nossas pernas com as patas. O jeito era arrastá-la até a cozinha e chacoalhar os pés com energia, batendo depressa a porta sem dar tempo para ela entrar.<br />Matriculamos nosso bebezão de quatro patas numa escola de cães. Quem sabe, adquirisse bons modos. Na terceira aula, o treinador desistiu. Ela brincava, não obedecia e atrapalhava os outros alunos. Passear com a coleira era um verdadeiro suplício. Ela é que nos guiava. Às vezes nossos filhos se divertiam com outros cãezinhos. Não podíamos acusá-los de traição. Nós mesmos evitávamos nossa cadela, vítima de uma carência afetiva de causar pena.<br />Certa vez fugiu de casa. Acho que para chamar atenção. Percorremos as ruas do bairro em pânico. O medo era de que, numa atitude desesperada, ela se atirasse sob as rodas de um carro. Duas horas depois, a encontramos brincando tranquila com algumas crianças. Correu para nós abanando o rabo, como se fugir de casa fosse coisa normal. Diante de manifestações de fragilidade emocional, chegamos a procurar um veterinário homeopata, que receitou uns florais. Mas ela mastigou o frasco.<br />Já o papagaio do vizinho nunca foi dado a demonstrações de afeto. Com ele, crianças não tinham vez. A resposta para “dá o pé loro” era umas boas bicadas. Passava seus dias quieto, mastigando sementes de girassol e nacos de banana. Se estivesse de bom humor, podia até fazer uma gracinha. No geral era um papagaio educado, que sabia seu lugar. Não dizia palavrão, não fazia sujeira.<br />O pessoal da casa respeitava a personalidade circunspecta como a de um velho ranzinza que atura seres humanos por falta de opção. Nos dias de chuva ficava amuado. Quando tinha visita, permanecia calado. A família só se deu conta da falta que fazia quando sumiu e reapareceu dias depois, sem qualquer explicação.<br />Nossa cadela e o papagaio do vizinho eram de personalidades bem diferentes. Mas tinham o mesmo inimigo: a solidão. Durante a semana, se distraíam com o barulho da rua, o movimento das pessoas. Mas não suportavam a dureza das manhãs de domingo.<br />Do lado de lá do muro, ele chamava seu nome. Do lado de cá, ela soltava um latido longo e ressentido. A conversa, monótona, podia durar horas. De vez em quando ele se animava a cantar. Em resposta, ela dava vários latidos, como se aplaudisse a ousadia.<br />A Chaira morreu aos 13 anos. O papagaio, pouco tempo depois. Nunca se viram, mas sempre se amaram. Hoje me pergunto porque nunca me ocorreu de formalizar as apresentações. O papagaio talvez não suportasse a dura realidade: Chaira não passava de uma cadela. Já ela não tinha idéia de que se tratava um papagaio. Imagine sua decepção diante daquele ser manco, de penas verdes e bico em forma de gancho, caso um dia ele tivesse a coragem de se libertar da corrente para visitá-la.<br />Seria o fim trágico de uma linda história de amor. Os dois viveram separados pelo muro, respeitando uma distância que só fez fortalecer seus laços de afeto. Afinal, como todo mundo sabe, dividir o mesmo espaço acaba até com a mais louca paixão. </div><div>Crônica publicada na Coop Revista - Março / 2008</div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-88245599439011249802009-06-25T07:12:00.000-07:002009-06-25T07:14:46.618-07:00Temporada de caça<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYY9SPJECmNbrrqp131P4JcwtAJxwwVudHPEGxzT9PMHVMiNBMjN1XsZ_TLqBO_v6vAM9PA_s3eJ4lHBoZ93X0gPYtU6jK5CnT4YN-LZBqFSFBuMFgOKm-nq15kpLXfSiaXMy9vhSFowg/s1600-h/cronica_FEVEREIRO.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351268177632948210" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 170px; CURSOR: hand; HEIGHT: 243px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYY9SPJECmNbrrqp131P4JcwtAJxwwVudHPEGxzT9PMHVMiNBMjN1XsZ_TLqBO_v6vAM9PA_s3eJ4lHBoZ93X0gPYtU6jK5CnT4YN-LZBqFSFBuMFgOKm-nq15kpLXfSiaXMy9vhSFowg/s320/cronica_FEVEREIRO.jpg" border="0" /></a><br /><div><br />Temporada de caça<br />Lucia Sauerbronn </div><div>Como boa representante do sexo que enlouquece em tempo de liqüidação, confesso que já torci para minha vizinha de provador desistir de um vestido, que acabei comprando por uma bagatela. O modelo é lindo, apesar de um pouco apertado. Se perdesse uns quilinhos, talvez arriscasse usá-lo. O problema é a cor, entre o azul desbotado e o verde-amarelado. Há anos vive pendurado no armário, com etiqueta e tudo.<br />Tive, com uma calça de lã xadrez, um caso de amor à primeira vista. Nem me importei com o fato de ser dois números acima do meu. Apesar dos esforços da costureira em transformar um 44 em 40, cada vez que tento vestir, desisto: pareço um saco de batatas amarrado pela cintura.<br />No calor da emoção, certa vez não resisti a um adorável par de sapatos pretos de bolinhas brancas. No mesmo dia, usei numa festa. Eram lindos, me senti maravilhosa. Passei cinco horas sentada, com os pés 35 espremidos no tamanho 34, amargando a dor que subia da ponta dos dedos ao topo da cabeça. Guardei os sapatinhos de Cinderela na caixa. Não consegui esquecê-los nas quatro semanas que levei para curar os calos e bolhas que eles provocaram.<br />Cada vez que termina uma estação e o preço das roupas e sapatos cai pela metade, as mulheres são tomadas por uma compulsão consumista. Saímos à caça de pechinchas que antes custavam uma fortuna.<br />Li outro dia que uma dessas lojas famosas, que só vendem roupas de grife, anunciaram um sale (nome sofisticado para uma queima geral de estoque) e colocaram à disposição das clientes carrinhos de supermercado. Imagine centenas de mulheres arrancando as peças das araras e jogando no monte, com a sensação de que estavam fazendo um negócio da China: jeans de oitocentos por quatrocentos reais; bolsas de quatro mil pela metade do preço, sandálias por apenas três parcelas de trezentos!!! O resultado dessa farra toda são mulheres que parecem vitrines ambulantes, exibindo logotipo até na calcinha.<br />O chato das grifes é que, de um ano para outro, o estilo muda completamente. Já comprei um maiô estampado de marca famosa por um precinho bem bacana, pensando em arrasar no verão seguinte. Quando desfilei na piscina, ouvi o comentário maldoso de que aquele modelo tinha sido o maior sucesso da coleção passada.<br />Qualquer mulher sabe que, no meio da loucura, é preciso agir rápido, antes que uma adversária descubra aquele casaquinho de renda chiquérrimo. Você arremata a peça, pensando que ela será muito útil caso seja convidada para um baile de gala da rainha da Inglaterra. Contaminada pelo vírus da promoção, não é difícil errar a mão e comprar roupas que não têm nada a ver com o próprio estilo. Frente a frente com um justíssimo vestido vermelho de cetim, até a mais recatada senhora calcula que talvez seja hora de arriscar uma mudança radical e se transformar numa perua sexy.<br />Diante de uma oferta de 50% off, novo apelido para a mesma velha liqüidação, às vezes a gente exagera. Tenho uma amiga que comprou quatro pares de sapatos idênticos, mas de cores variadas, porque estavam tão baratinhos! Liqüidação tira qualquer mulher do sério, a ponto de estourar os limites do bom-senso e do cheque especial.<br />Depois de passar pelo caixa, deixar a loja cheia de sacolas com ar triunfante, a excitação acaba e a gente sai do transe. Aí bate o remorso. Conheço mulheres que escondem tudo na casa da mãe e vão usando uma peça por vez, para o marido não desconfiar. Como se, mais dia, menos dia, não fossem traídas pela conta do cartão de crédito.<br />Além de paixões repentinas por peças de gosto duvidoso, meu problema com as liqüidações é que não tenho paciência para esperar um provador vazio. Só em casa é que percebo a besteira. Se ficou justo, nunca tem tecido suficiente para alargar. Se o caso for apertar, a roupa perde o corte, fica desajeitada, deselegante. Como nem sempre deixam trocar, vou entupindo o armário com coisas inúteis.<br />Este ano, fiz um balanço das peças em promoção que comprei, mas jamais usarei. Resolvi me prevenir. Para evitar cair na tentação, fui às compras antes que as lojas anunciassem suas ofertas imperdíveis. Escolhi um pretinho básico, uma boa camisa branca, uma calça de corte impecável e um par de sandálias de tirar o fôlego. Na semana seguinte, tudo estaria pela metade do preço. Mesmo assim, garanto que fiz a maior economia.</div><div>Crônica publicada na Coop Revista - Fevereiro / 2008<br /></div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-78908088691540238662009-06-25T07:10:00.000-07:002009-06-25T07:12:49.636-07:00Eu juro que é melhor<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhftyPpQLkxBbu_Jso7z28AclMYn-Bq757b2Kwc7Z5r87MZucRzVaVYPQLf7F4fI_77p9j1_SJ3gkg787H51LspGlTntOQIZ7A4zZWhZGQhbeRA2IF9UCG79MB9FY-pH50_d4b9mePpGks/s1600-h/cronica+Janeiro.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351267693578097810" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 227px; CURSOR: hand; HEIGHT: 281px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhftyPpQLkxBbu_Jso7z28AclMYn-Bq757b2Kwc7Z5r87MZucRzVaVYPQLf7F4fI_77p9j1_SJ3gkg787H51LspGlTntOQIZ7A4zZWhZGQhbeRA2IF9UCG79MB9FY-pH50_d4b9mePpGks/s320/cronica+Janeiro.jpg" border="0" /></a><br /><div><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjD4CJ1zIs0yVPAfCBfMz3lbITNllNcFK7IIER1-eq0bQ4T-Hzk81JZ5c_VLUv0VxmCNONA6HToLHH6iXS4e6xaeLVCSa0I6YyAg-YL1YvnUFC0IfCP96D3lRqmu-3UzjDdjRS71JRz-I0/s1600-h/cronica-Janeiro07ed275.jpg"></a><br /><br /><div><br />Eu juro que é melhor<br />não ser o normal</div><div>Lucia Sauerbronn<br />– Olha 2008 aí, gente!<br />Nem estourei o champagne para comemorar o ano novo e já comecei a ouvir os batuques anunciando o carnaval. Que desta vez vai ser logo no começo de fevereiro. Ou seja, praticamente amanhã. O que nos coloca mais próximos da Páscoa, que é pouco antes do Dia das Mães. E do meu aniversário.<br />De novo? Pode ser que eu esteja confusa, mas parece que quanto mais os anos passam, mais depressa eles passam. Não foi no mês passado que brindei 2007? Sei que sou distraída, mas nem tanto. O que foi que eu fiz nos outros 11 meses do ano que passou?<br />O médico me tranquilizou: 80% das atividades de um adulto são pura rotina. Mesmo que exijam movimentos complexos, como dirigir entre malucos no trânsito, a maior parte a gente faz sem prestar atenção. O perigo é que, ligado no piloto automático, o cérebro fica preguiçoso e com o tempo começa a esquecer coisas importantes. Como a panela que deixei no fogo a noite inteira.<br />Para me defender do risco de incendiar a casa, ele disse que eu precisava pôr meus neurônios para malhar. Segundo ele, a neuróbica – aeróbica dos neurônios – é a nova técnica da medicina para combater a falta de memória e afastar o Mal de Alzheimer. Explicou ainda que a doença não é um mal moderno. Só que, antigamente, as pessoas morriam antes de apresentar seus sinais. Com tantos meios de diagnosticar doenças, minha geração deve chegar aos cem anos contando piadas. O problema é chegar lá contando sempre a mesma piada.<br />Fiquei tão animadinha que corri comprar um livro que ensina como manter o cérebro vivo. Os autores explicam que as células nervosas são capazes de se multiplicar quando exercitadas. Por isso, a primeira coisa a fazer é deixar a preguiça de lado e pôr as vagabundas em movimento. Imaginei aqueles meus pobres neurônios cansados saltitando cheios de energia. Quem sabe, enquanto faziam musculação, começassem a conversar e se entender melhor.<br />Para ativá-los, é preciso mudar comportamentos mecânicos. A idéia principal é fazer tudo ao contrário. Estou seguindo à risca todos os conselhos. Passei a usar relógio no braço direito, me vestir de olhos fechados, andar de costas e experimentar novos sabores. Os exercícios sugeridos incluem olhar fotos de cabeça para baixo, ir ao trabalho por novos caminhos, trocar de lugar na hora das refeições. Para manter o cérebro ativo, é preciso evitar o comodismo, ter novas sensações corporais, táteis, auditivas, gustativas, visuais, adquirir um novo estilo de vida e modo de pensar.<br />No começo, achei um pouco difícil. Mas logo me entusiasmei e levei os treinos tão a sério que inventei outros exercícios por conta própria. Por exemplo, troquei o dia pela noite. Agora durmo enquanto todos trabalham. Janto, portanto, quando os outros almoçam. Como a sobremesa antes do prato principal. Mas não tem importância, já que coloco sal no bolo e açúcar no feijão. Trabalho no fim de semana e folgo nos outros dias. E quando vou trabalhar, pego o caminho do cinema. Leio o jornal de ontem no lugar do de hoje. Isso me dá a sensação de que estou sempre um dia mais jovem.<br />De vez me atrapalho um pouco, mas acho que é parte do jogo do fazer diferente. Já coloquei a forma de gelo no microondas, passei condicionador de cabelo no rosto, escovei os dentes com creme de barbear, fui às compras com um pé de cada sapato. Mas os saltos eram do mesmo tamanho.<br />Também voltei a contar piadas. Começando do final, é claro. Tenho tentado explicar a importância da neuróbica para as pessoas, mas nem todas compreendem. Os guardas de trânsito, por exemplo: vivem me multando porque ando na contramão e troco o sinal verde pelo vermelho!<br />Uma coisa é certa: nunca me diverti tanto! Só estou preocupada com meu marido e meus filhos, que andam muito estressados. Eles insistissem em me levar ao médico, achando que estou exatamente com a mesma doença que aprendi a evitar.<br />Crônica publicada na Coop Revista - Janeiro / 2008 </div></div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-54558148347897886822009-06-25T07:08:00.000-07:002009-06-25T07:10:13.770-07:00Visita<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEircIjosS_u8JjRa4nyYEt70AKNVnZjWGoAZfwPYglcBaU4CtkpVQfeoKdg40BlrrMbl6N4EJIqiRUYDWnMIcRS4mZ6LPlbZuo6o3HvcB1f2gvx8kUg-r9CZ_FF5OlFhH7tJ4wO-dSQZKQ/s1600-h/cronicaJUNHO2008.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351267063505537442" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 227px; CURSOR: hand; HEIGHT: 270px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEircIjosS_u8JjRa4nyYEt70AKNVnZjWGoAZfwPYglcBaU4CtkpVQfeoKdg40BlrrMbl6N4EJIqiRUYDWnMIcRS4mZ6LPlbZuo6o3HvcB1f2gvx8kUg-r9CZ_FF5OlFhH7tJ4wO-dSQZKQ/s320/cronicaJUNHO2008.jpg" border="0" /></a><br /><div><br />Visita</div><div>Lucia Sauerbronn<br />Não gosto de seus beijos molhados, mas a festa que ela me faz vale a pena. Me abraça apertado (sinto o cheiro de seus cabelos ralinhos), se afasta, segura o rosto entre as mãos e sorri: não acredita como eu cresci. Diz que fiquei bonita como ela imaginava. Quando reclamo que a idade não melhorou o nariz, ela, fingindo mágoa, aponta a própria foto amarelada. Rimos juntas e ouço que semente não cai longe do pé.<br />São tantas perguntas, o tempo é curto para respostas. Ela acompanha com os olhos da imaginação o relato que faço de tudo: a casa, as crianças, o trabalho. Faz frio. Ela se acomoda na cadeira de balanço. Ajeito o xale sobre as pernas magras e me aconchego em seu colo. Naquele abraço, tenho dez anos, seu coração ainda bate forte e compassado. Desejo ficar assim, presa ao útero do tempo, mas ela não contém a agitação: levanta, ajeita a toalhinha de crochê do aparador, percorre a sala com o olhar, revirando a memória em busca do melhor agrado. Vai em direção ao quarto e me estende o volume. Reconheço cada marca nas páginas do livro ilustrado.<br />Entretida, não percebo quando ela sai. Observo o cenário que o tempo não modificou: a cristaleira com os bichos de vidro que eram meu zoológico, os copos azuis em que eu tomava chocolate quente. Ao pé de Nossa Senhora, o terço de contas gigantes. Puxo os pinhões do relógio: são quase três horas. Percebo o sorriso que vigia a porta da cozinha, mas não me volto, espero o cuco cantar. Enxugo, com a manga da blusa, as gotinhas de vapor na janela. Por trás da cortina, o vento balança os galhos do salgueiro-chorão onde eu me escondia nas tardes quentes de janeiro.<br />- Por que sua mãe não veio? - ela pergunta desaparecendo na despensa. Sobre a pia, a velha lata de farinha, o açúcar, a peneira e os ovos lembram uma natureza-morta. Invento qualquer desculpa, mas ela já não ouve: agora agita com vigor o batedor de ovos contra as claras que, sem resistência, espumam. Ajudo com a gemada, misturando açúcar àquelas patacas quase vermelhas que as galinhas produzem livres no quintal. Besunto manteiga na forma, espalho a farinha. Ela despeja a massa amarela e grossa, com a colher de pau firme entre seus dedos nodosos.<br />O bule de ágata vai para cima do fogão a lenha, quente como se estivesse eternamente à minha espera. Estendo a toalha xadrez sobre a mesa e ajeito as xícaras. Saio de mansinho porta afora e me lanço pelo corredor lateral; corro batendo com força os pés, reconhecendo o som do canos que se alongam em direção à rua. Furo polegar e indicador nos espinhos da roseira. Preparo o buquezinho e ajeito as hastes entre ramos de pinheiro. Tenho nas mãos o arco-íris. Nunca me pareceu estranho que rosas azuis brotassem naquele jardim. Escondo as mãos nas costas, persigo o cheiro de bolo e levito de volta à cozinha. Com o vidro de geléia na mão ela me olha, censurando. Trocamos sorrisos cúmplices: sou a única com autorização para colher flores daquele jardim.<br />Corro lhe dar um beijo. Ela não consegue disfarçar a emoção em seus olhos marcados e se vira para pegar no armário o pequeno vaso de porcelana, que enche e enfeita com o buquê.<br />O leite chia na chapa quente. A espuma grossa transborda a leiteira que ela ergue, sopra e reclama:<br />- A gente vigia, vigia, e basta piscar.<br />Do forno tira o bolo inchado, a massa estourando em flor dourada no centro. Com ajuda da peneira, salpica açúcar perfumado de baunilha. Lambuzo as fatias grossas com manteiga, que desaparece nos furinhos fumegantes. O bolo e o café com leite afastam o frio e a tristeza. Ela recolhe a louça, ajudo a lavar e me despeço.<br />Prometo voltar. Ela sorri, compreendendo, e desaparece na bruma, entre os escombros da casa, para onde um sonho de traidoras memórias me transportou sem avisar.<br />Crônica publicada na Coop Revista - Junho / 2008</div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-31547360567964481032009-06-25T07:06:00.001-07:002009-06-25T07:08:33.669-07:00Ser um homem feminino<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizcb6xjALhEu3xiQYlrRJr-TtfTM4By0RhM0tJaKXvaYzkXypPzOUbl58DC3o9-hwv0H_puZJah05mpUqQtwRYBhPuLhARccdLsQDsHnRWyco5jBkI9ySk3z7W1Ewwi33KIuSLgfT-j18/s1600-h/cronicaDEZEMBRO2007.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351266539296371778" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 189px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizcb6xjALhEu3xiQYlrRJr-TtfTM4By0RhM0tJaKXvaYzkXypPzOUbl58DC3o9-hwv0H_puZJah05mpUqQtwRYBhPuLhARccdLsQDsHnRWyco5jBkI9ySk3z7W1Ewwi33KIuSLgfT-j18/s320/cronicaDEZEMBRO2007.jpg" border="0" /></a><br /><div><br />Ser um homem feminino</div><div>Lucia Sauerbronn<br />não fere o seu lado masculino?<br />Moça direita não pisava em salão de bilhar. Nem mesmo mulheres disputadíssimas nos bordéis da cidade eram bem vistas entre as mesas e tacos de sinuca. Ficávamos curiosíssimas. Além de bolinhas coloridas sobre feltro verde, o que será que rolava lá dentro? Nada, eles juravam, escondendo as revistas de mulher pelada. O salão de bilhar era um templo de machos, um clube do bolinha. As mulheres não tinham seus salões de beleza? Então! Cada um na sua. Salão de beleza era lugar em que homem não pisava nem morto.<br />Hoje alguns salões têm até garçon sarado servindo café. Mas nem sempre foi assim. Quase toda cabeleireira trabalhava num quarto abafado nos fundos de casa, que cheirava a acetona e química de permanente. O calor era sufocante, e o barulho dos secadores, infernal. De beleza, por sinal, não tinha nada. Com suas pinças, tesouras e alicates mal afiados, o ambiente estava mais para sala de tortura. As poltronas, cadeiras e espelhos eram sobra da mobília da casa. Um visitante desavisado era capaz de pensar que se tratava de uma reunião de bruxas: mulheres com a cabeça lambuzada de tintura coberta por toucas de plástico, cabelos presos com bobbies para enrolar e bigudins para cachear, pés mergulhados em bacias plásticas com água e sabão em pó. Ali, homem não entrava. Até porque não tinham nenhum interesse em ver mulheres que ficavam feias para ficar bonitas.<br />Apesar de decadente, nosso clube da Luluzinha era divertidíssimo. Elas chegavam logo depois do almoço, de lenço de seda na cabeça lavada. Enquanto faziam as unhas e tratavam os cabelos, trocavam dicas de beleza e de alcova, receitas de bolo, chás para cólicas de bebê, infusões para as dores femininas. Mas, acima de tudo, apareciam para ouvir as novidades da semana.<br />O barulho dos secadores elevava o tom da conversa, de modo que aquele não era um lugar para segredos. Os secadores, por sinal, causaram muito estrago na vizinhança. Às vezes alguém contava que o marido de fulana estava saindo com sicrana. E a fulana ali, escondida sob o capacete do secador de coluna, ouvindo a história tim-tim por tim-tim, apesar dos olhares desesperados da dona do salão.<br />Mas nem tudo eram maledicências. Era comum uma cliente amargurada com o casamento abrir o coração e pedir conselhos. Como mulher não nega conselho, o salão inteiro dava palpite, cada uma contando a própria experiência. A sessão de terapia em grupo custava no máximo um corte de cabelo.<br />Devagar, os homens foram chegando. Primeiro, assumiram as tesouras. E, como a maioria dos profissionais de beleza não oferecia risco a maridos ciumentos, eles foram muito bem-vindos. Além de conhecer as últimas tendências de moda, regimes e tratamentos estéticos, eles levavam uma vantagem sobre suas concorrentes. Eram homens. E sabiam como os homens pensavam.<br />Foi uma revolução. As confidências se tornaram quase consultas. Com sua visão esclarecedora, muitos cabeleireiros ajudaram as mulheres a compreender o universo masculino. Inclusive sua necessidade de freqüentar sozinhos, com seus tacos e bolas, o salão de bilhar. Devia estar escrito na Constituição: toda mulher tem direito a um amigo assim.<br />Tudo funcionou direitinho até que surgiram os metrossexuais. Nosso templo foi invadido por machos que assumiram seu lado feminino. Perdemos a naturalidade com homens sentados na poltrona ao lado, escolhendo o corte de cabelo da moda, fazendo tintura, escova progressiva, chapinha, hidratação, relaxamento nos fios, manicure, pedicure e limpeza de pele.<br />Está certo. Nas últimas décadas, nós também conquistamos espaços que eram só deles. Hoje tem mulher na construção civil, caminhoneira, frentista. Só não sei se há alguma que se interesse por bilhar. Mas francamente! Vaidade masculina tem limite! Até depilação os homens andam fazendo! Começaram tirarando os pêlos do nariz e das orelhas. Depois, das sobrancelhas. Agora, depilam o peito. Mas, para mostrar que eles têm peito, mesmo, quero ver se submeterem a uma depilação com cera quente nas partes íntimas...<br />Crônica publicada na Coop Revista - Dezembro / 2007</div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-90420128490851279412009-06-25T07:04:00.000-07:002009-06-25T07:06:28.881-07:00O pior cego é aquele que não quer admitir<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDcDzCGwxQDcOkZ5ZwuSsCkqpVI0mzGXm7AOFGxSGiA7EW7OG4QNEqV3oiJRYlLAufmFCPysHP1YGPkvDmIMhmmLOgywCR9v48NCir9a3dp9RvuuxUOvoCDcC9cZHcXu-Bu8i-lO-hPt8/s1600-h/cronica-NOVEMBRO+2007.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351265952094631122" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 227px; CURSOR: hand; HEIGHT: 298px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDcDzCGwxQDcOkZ5ZwuSsCkqpVI0mzGXm7AOFGxSGiA7EW7OG4QNEqV3oiJRYlLAufmFCPysHP1YGPkvDmIMhmmLOgywCR9v48NCir9a3dp9RvuuxUOvoCDcC9cZHcXu-Bu8i-lO-hPt8/s320/cronica-NOVEMBRO+2007.jpg" border="0" /></a><br /><div><br />O pior cego é aquele que não quer admitir</div><div>Lucia Sauerbronn<br />Com o perdão da palavra, sou presbíope. Assumida, mas não conformada. Antes que alguém pense que se trata de uma nova religião, saiba que, se você já não consegue enxergar a data de validade do iogurte, a sua data de validade é que está vencida. Bem-vindo ao clube do time da vista cansada.<br />No começo, bem que relutei. Quando se tornou impossível encontrar a linha pontilhada do pacotinho de biscoitos, recorri aos colírios. Quando passei a usar agulhas cada vez mais grossas para conseguir enfiar a linha de costura, fiz compressas de água boricada. Quando meus braços se tornaram curtos para enxergar o texto da bula de remédio, tomei anticoncepcional pensando que era analgésico. Fui ao oculista. Ele procurou me acalmar: 62% da humanidade acima dos 40 anos não vive mais sem a companhia de um par de óculos.<br />Para quem descobriu a miopia na primeira infância, os óculos funcionam como uma extensão do corpo. Antes de fazer, por ordem médica, uma cirurgia para corrigir seus oito graus, meu marido se tornou tão dependente que colocava os óculos até para desligar o despertador. Apesar de voltar a enxergar o mundo livre, leve, solto e colorido, ele sentiu muita falta do velho companheiro de infortúnio.<br />Já eu, como diz a música, não nasci de óculos. E, como junto com a visão vai-se embora a memória, nunca sei onde deixei o dito-cujo. Até tentei comprar uma daquelas correntinhas para pendurá-los. Quando me vi com a aparência da velha bibliotecária do grupo escolar, guardei na gaveta para sempre. Só que, sem óculos, não consigo encontrar os óculos. Apelei então para os descartáveis. Tenho um em cada canto: na sala, no quarto, no escritório, no banheiro, no carro. O que nem sempre funciona. Enxergo bem de longe, o que torna impossível dirigir de óculos, por exemplo. Para ler o endereço no papel, ponho os óculos. Para olhar o trajeto, tiro. Nesse põe e tira, bati o carro mais de uma vez.<br />E no banheiro, então? Depois do banho, seco o cabelo. O banheiro se enche de vapor. As lentes embaçam, é impossível me maquilar. Para pintar os olhos, entorto a armação para enxergar o olho direito com o esquerdo. E vice-versa. Tirar a sobrancelha é uma tortura. Termino com as pálpebras picadas. Comprei um daqueles espelhos que aumentam a imagem. Foi pior: passei a enxergar todas as minhas rugas.<br />Usar óculos pôs fim aos jantares românticos. Presbiopia não combina com luz de velas. Antigamente, os restaurantes tinham dois tipos de cardápio. Um para os homens, outro para as mulheres, sem o preço. Hoje, que as mulheres estão emancipadas e ganham o próprio dinheiro, a gentileza parou de fazer sentido. Melhor seria fazer um cardápio com letras garrafais para presbíopes. Escolho o que vou comer sob o conforto da luz do banheiro.<br />Na hora de fazer compras, o sacrifício não é menor. Não dá para dar aquela disfarçada na hora de ver o preço da roupa. Escolho o vestido sem óculos. Para ler a etiqueta, ponho os óculos. Tiro os óculos para experimentar. Ponho os óculos para conferir a conta.<br />E o cartão de crédito? Deveria ser do tamanho de um envelope. Tenho treinado para reconhecer os números em relevo com a ponta dos dedos. No caixa eletrônico, sou um perigo. Para não esquecer a senha do banco, que mudo de tempos em tempos por segurança, carrego um cartãozinho com os números bem grandes. Assim enxergo. O próximo da fila também.<br />Como sou desajeitada e vivo derrubando o celular, eles não duram seis meses. Os modelos, cada vez menores, têm teclados diferentes. Ao invés do send, aperto o botão da máquina fotográfica. Meu pé já foi clicado tantas vezes que dá para fazer uma exposição das fotos. A indústria ainda não descobriu o grande mercado dos presbíopes. Meu sonho de consumo é um celular com teclas e números enormes, coloridos. O mesmo vale para aqueles ridículos botõezinhos do controle remoto.<br />O mundo digital, por sinal, não está preparado para nós. Quem projeta computadores certamente não chegou aos 40. A uma distância de um metro da tela, sem óculos, as letras dançam, se confundem. Com os óculos, ler à mesma distância dá um enjôo danado. O jeito foi o oculista receitar um par de lentes com a metade do grau para trabalhar no computador. A dificuldade começa quando tenho de ler minhas anotações. Ponho os óculos para ler o papel, troco de óculos para ler a tela. Levo o dobro do tempo para terminar um texto.<br />O oculista, cansado das minhas reclamações, sugeriu uma alternativa: usar num dos olhos lente de contato para perto, no outro, para longe. Meu cérebro ficou aparvalhado e reagiu com uma crise de labirintite.<br />Vivo na esperança de surgir uma cirurgia para presbiopia. Está difícil. Presbiopia é o enfraquecimento muscular do cristalino, um recurso da natureza para colocar nossos olhos no foco, como uma máquina fotográfica. Tentei fazer musculação ocular: olhar repetidamente para um livro e para o horizonte. Consegui uma tremenda dor de cabeça. A vista ficou mais cansada.<br />Cada vez que volto ao oculista ele aumenta o grau. Melhora, mas não resolve. Continuo a ter dificuldade para ler bula de remédio. Mas arrumei um jeito de não tomar viagra achando que é calmante: além dos óculos, conto com a providencial ajuda de uma potente lupa.<br />Crônica publicada na Coop Revista - Novembro / 2007 </div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-36638514211345045502009-06-25T07:02:00.000-07:002009-06-25T07:04:27.866-07:00Cenas de um casamento<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjVmC20T7Apf9THjX9e3GtYXgZQZJQlLA_ul_4nlEduGraXANPekyxBqVeq1TOe5gen9I1wmJzswBEz9V764-YS4Q3CNNJqENRiQOrgjv0XHrh5BZSV42GUCfXCWawI_6bOjcdcTmcF8yg/s1600-h/cronica-OUTUBRO2007.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351265568452850082" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 142px; CURSOR: hand; HEIGHT: 186px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjVmC20T7Apf9THjX9e3GtYXgZQZJQlLA_ul_4nlEduGraXANPekyxBqVeq1TOe5gen9I1wmJzswBEz9V764-YS4Q3CNNJqENRiQOrgjv0XHrh5BZSV42GUCfXCWawI_6bOjcdcTmcF8yg/s320/cronica-OUTUBRO2007.jpg" border="0" /></a><br /><div><br />Cenas de um casamento</div><div>Lucia Sauerbronn<br />Tomados de paixão cega e surda, mas não muda, um dia dois pombinhos chegam à conclusão de que foram feitos um para o outro. E que é hora de dividir o mesmo teto. Como diz o ditado, a lua de mel não vai durar mais que um saco de sal. Como se sabe, sal se usa um pouquinho por dia e a doçura dos primeiros dias logo vai ter sabor de pimenta malagueta. É o tempo exato de descobrir que a princesinha tem humor de bruxa quando acorda. E que, esparramado no sofá depois do almoço de domingo, o príncipe bem que lembra um sapo.<br />Antes um ninho de amor, a casa logo parece pequena para dois. A começar pela cama. Ele dorme de pernas e braços abertos. Ela, encolhida no espaço que sobra. Ela tem os pés gelados, ele sonha com um ar condicionado. Se esfria, disputam o cobertor. Ela se enrosca nele. Ele diz que não consegue respirar. Ela quer discutir a relação. Ele vira do outro lado. E ronca.<br />De manhã trombam no banheiro. Disputam o direito de usar o chuveiro primeiro. Ele tem nojo de encontrar fios de cabelo no sabonete. Ela tem chiliques porque ele joga a toalha de banho no chão. Ela estraga o fio do aparelho de barbear depilando as pernas. Ele detona o seu xampu predileto. Ela ocupa a pia toda com potes de creme.<br />Ele deixa a pasta de dentes aberta.<br />Ele lê jornal enquanto toma o café (ela gosta fraco; ele, forte). Ela afasta o jornal de cima do pão. Ele tampa o pote de margarina assim que ela retira a faca. Ela só compra queijo branco; ele prefere amarelo.<br />Ela esquece as luzes acesas. Ele apaga todas as luzes da casa. Ele gasta dinheiro com bobagens. Por mais que compre sapatos, ela nunca tem um que combine com o vestido.<br />Na direção, ele vira piloto de fórmula 1. Cola no carro da frente, acelera quando vê que o farol vai virar vermelho. Ela reclama do excesso de confiança dele. Ele, que ela não confia nele. Se estiver perdido, jamais admite parar e perguntar o caminho. Mesmo que a estrada acabe num riacho no meio da mata atlântica. Ela cutuca: eu não falei?<br />Ela gosta de novela. Ele também, mas jura que não. Prefere esporte. Não perde um jogo de futebol. Principalmente se for copa do mundo. Ela resmunga que ele assiste até partida entre Trinidad e Tobago. Ele diz que ela não entende nada: Trinidad e Tobago são um país só.<br />Ele nunca percebe quando ela corta o cabelo. E só lembra de elogiar o vestido quando<br />ela vai sair sozinha. Ele reclama se ela chega em casa mais tarde do que ele. Não importa a hora que ele chegue, ela sempre faz cara feia quando ele vai tomar cerveja com os amigos.<br />Se vão ao cinema, ela prefere filmes de amor. Ele, de ação. Ele não gosta de chegar atrasado. Ela demora para se arrumar. Ele faz plantão na porta do banheiro, olhando o relógio. Ela sai, mas volta porque esqueceu de passar perfume.<br />Ela prepara um jantar romântico para comemorar o aniversário de casamento. Ele esqueceu a data, e telefona avisando que vai chegar tarde do trabalho. É o fim da linha. Os dois decidem que é impossível continuar a viver juntos com tantas incompatibilidades. Um faz a mala, outro concorda: é melhor assim.<br />A cama agora é grande demais. Ele sente falta daquele corpo macio enroscado no dele. Aspira fundo o ar, buscando o cheiro doce que só ela tem, mistura de pele, xampu, perfume e creme. Sorri, lembrando da indecisão dela diante do armário. Bobagem. Ela é linda de qualquer jeito. Da ternura que sente ao vê-la chorar no cinema, como dá conta de todos problemas, pequenos e grandes, do seu ar interessado quando ele conta uma história.<br />Sozinha no silêncio da noite, ela sente frio. Abraça o travesseiro dele, que cheira a cabelo e pasta de dentes. Sorri, lembrando do jeito engraçado que ele tem de sair do banho enrolado na toalha, do seu modo desajeitado de demonstrar ciúme, de insistir que está certo mesmo diante do erro mais óbvio.<br />Viver a dois não é fácil. Sozinho, menos ainda.<br />Crônica publicada na Coop Revista - Outubro / 2007 </div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-30580764315816575552009-06-25T06:59:00.000-07:002009-06-25T07:02:02.967-07:00Bei Jing Huan Ying Ni*<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiFEkbEmZ-k6KqmtS0BLccjkMiZuO4gd5e1GOSxl1mCesK12q4Jzuk8CWuneS9pHaByFfg20Tk4kQByWjjGYPc6hY5M1TwcVUKhXuovrv6uygL3GGBSxaf36bvnm09qVQT9fh1_tMI8lJg/s1600-h/cronica-JULHO2008.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351264819785792770" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 142px; CURSOR: hand; HEIGHT: 207px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiFEkbEmZ-k6KqmtS0BLccjkMiZuO4gd5e1GOSxl1mCesK12q4Jzuk8CWuneS9pHaByFfg20Tk4kQByWjjGYPc6hY5M1TwcVUKhXuovrv6uygL3GGBSxaf36bvnm09qVQT9fh1_tMI8lJg/s320/cronica-JULHO2008.jpg" border="0" /></a><br /><div><br />Bei Jing Huan Ying Ni*</div><div>Lucia Sauerbronn<br />A China fica bem embaixo do Brasil. Se a gente abrisse um buraco que varasse o mundo, era capaz de cair na Cidade Proibida, onde os imperadores viveram por seis séculos e que é o lugar mais bonito da China. Embora morem do outro lado do planeta, é claro que os chineses não andam de cabeça para baixo. Mas que por lá tudo é ao contrário, ah! isso é mesmo. Por exemplo: lá, hoje é amanhã e amanhã hoje foi ontem.<br />Na China todos os dias nascem milhares de bebês de olhinhos puxados, o que leva a gente a pensar que os chineses são todos iguais. Na verdade, eles também acham que nós, ocidentais, somos todos iguais por causa do nosso nariz grande. E tem mais: 91% da população pertence à etnia Han, e o resto se divide em 55 outras etnias – que eles chamam de minorias – e têm traços muito diferentes.<br />A língua oficial deles é o mandarim. Mas as minorias juntas falam outros oitenta dialetos e línguas! Aprender chinês não é fácil porque, para piorar, cada vogal tem quatro entonações, o que muda completamente o sentido da palavra. Por exemplo, se alguém disser ma..., pode estar chamando a mãe. Mas, se alguém disser má!, não se espante se ele estiver apontando um cavalo. Ainda bem que, como em qualquer parte do mundo, muito chinês já fala inglês.<br />O legal é que, apesar dessa confusão toda, a maioria das palavras se escreve do mesmo jeito. É que o chinês não tem alfabeto, mas ideogramas, que são desenhos cheios de riscos e tracinhos que juntos exprimem uma idéia. Isso poderia representar uma grande economia de papel. O problema é que, para se expressar através da escrita, o chinês pode usar mais de 50 mil caracteres diferentes. Mas quem conseguir aprender uns 5.000 já pode quebrar o galho...<br />Antigamente, as famílias eram muito numerosas e não costumavam pôr nome nas crianças, para evitar que os maus espíritos viessem roubá-las. Eles chamavam de primeiro filho, segundo filho, e assim por diante. Hoje cada casal só pode ter um filho, por isso eles às vezes têm nomes estranhos como Ímpar. Os pais torcem por um menino para dar continuidade ao nome da família.<br />Lá é tudo tão ao contrário que o sobrenome vem antes do nome. E eles não são muito criativos. Existem 93 milhões de pessoas com o sobrenome Li, outros 93 milhões são Wang, dando a impressão de que todos são parentes. É como se metade dos brasileiros chamassem Silva e a outra metade, Santos. Só que, assim como os Silva e os Santos, os Li e os Wang representam apenas um oitavo da população chinesa, que é de 1 bilhão e trezentos milhões de pessoas.<br />Alimentar toda essa gente não é bolinho. Por isso, tudo o que voa e não é avião, tudo o que anda e não é carro e tudo o que se move na água e não é barco pode acabar na panela. Eles comem coisas estranhas como escorpiões fritos e cavalos-marinhos assados, iguarias que acham tão saborosas como são para nós os rabos, pés e orelhas de porco que fazem parte da nossa feijoada.<br />A refeição na China é um momento de união. Ninguém come sozinho. As pessoas sentam em torno de uma mesa giratória e, usando pauzinhos, vão se servindo dos pratos coloridos com legumes e verduras, carne de vaca, porco, frango, pato. Ao invés de refrigerantes, eles preferem tomar chá, que ajuda a digestão.<br />A China existe há quase 6.000 anos. Foi lá que inventaram o macarrão, o sorvete, o papel, a porcelana, a seda, o guarda-chuva, a bússola, a pólvora, o arado, o carrinho de mão e até os óculos do sol. Inventaram também o dragão, um bicho que não existe, mas está em toda parte.<br />Durante 23 séculos, quem mandava na China eram os imperadores. Há 60 anos são os comunistas. Mas, desde que o líder Deng Xiaoping declarou que “enriquecer é glorioso”, os chineses são mesmo consumistas.<br />Por isso, o dragão, que representa o poder do fogo que destrói para permitir o nascimento do novo, nunca teve tanto trabalho. Prédios velhos estão virando cinzas, dando lugar a praças e jardins floridos, avenidas largas e edifícios ultramodernos. Em cidades como Pequim (ou Beijing, como eles dizem), o número de carros (quase 3 milhões e meio) já superou o de bicicletas, e juntos produzem um congestionamento dos diabos. Eles também trocaram o som dos grilos, que traz sorte, pelo dos celulares, que não param de tocar. É claro que nem toda a população da China pode comprar tudo isso. Mas, assim como no Brasil, um país de grandes diferenças sociais, a qualidade média de vida por lá anda melhorando rapidamente.<br />Para os chineses, os números exercem grande influência na vida. Ao invés do 13, eles acham o 4 azarado, pois tem o mesmo som do verbo morrer. Até outro dia, os números mais importantes eram o 6 (da calma e da suavidade) e o 9 (da longevidade). Na nova China, o predileto agora é o 8, símbolo de riqueza e prosperidade.<br />Os chineses levam os números tão a sério que os Jogos Olímpicos de Pequim vão começar às 8 horas e 8 minutos do dia 8 do mês 8 de 2008. Vai gostar de prosperidade assim lá na China!<br />* Bem-vindo a Pequim<br />Crônica publicada na Coop Revista - Julho / 2008 </div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-37762647486646892892009-06-25T06:56:00.000-07:002009-06-25T06:58:51.905-07:00Meu velhinho<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhd7sbPtmdaf2hs9BcjqsiKn2qYDphfg5O7lIouqx46FTlqn4-JHg_Uf8IpCj1FPgdnLFQc8WB-BdO7CLoZWgENoMyRmjw9l6fmRN1VEmu5xREjp2ltLeGMEsT1KlHjTh5EVRne8fkV_J8/s1600-h/cronica-SETEMBRO2007.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351264035037967874" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 202px; CURSOR: hand; HEIGHT: 304px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhd7sbPtmdaf2hs9BcjqsiKn2qYDphfg5O7lIouqx46FTlqn4-JHg_Uf8IpCj1FPgdnLFQc8WB-BdO7CLoZWgENoMyRmjw9l6fmRN1VEmu5xREjp2ltLeGMEsT1KlHjTh5EVRne8fkV_J8/s320/cronica-SETEMBRO2007.jpg" border="0" /></a><br /><div><br />Meu velhinho</div><div>Lucia Sauerbronn<br />Sinto uma vontade enorme de abraçar meu pai. Não um daqueles abraços banais, que a gente troca quando se encontra. Mas um abraço de verdade, como se eu ainda tivesse dez anos, para mostrar o quanto gosto dele. Tenho medo. Que um abraço vindo do coração pareça despedida.<br />Ele vai fazer 85 anos. É ágil, lúcido e danado; se comporta como se tivesse 25. Fica todo orgulhoso ao ver que causa espanto quando confessa a idade. Só nessas horas fica vaidoso. Não usa roupas de moda, não se preocupa em disfarçar as rugas e os cabelos brancos. É apenas um velhinho alegre e simpático.<br />Sua saúde, garante, é resultado de uma dose de vitamina E diária e uma sessão matutina de exercícios para braços e pernas: mais de trezentas flexões cada. Além de um copo de vinho tinto – desses de garrafão mesmo – no almoço, outro no jantar. Fora isso, mantém o coração azeitado: vive apaixonado e nunca esquece de mandar flores e chocolates para a namorada da vez. Esse velhinho independente, que vai sozinho ao médico quando precisa, para não dar trabalho a ninguém, parece que vai durar cem anos.<br />Falamos toda manhã por telefone, mas quase não vou à sua casa. Eu me acomodo porque ele faz questão de me visitar no trabalho com regularidade. Conversamos por meia hora, não mais: não quer atrapalhar. Diz que compreende que os filhos e netos andem ocupados cuidando da vida. Deve sentir falta, mas não cobra mais atenção de nenhum de nós.<br />Pelo contrário, é ele quem dá atenção às pessoas que vêm contar seus problemas. No mercado, na feira, na farmácia. Ele ouve, dá conselhos. Tem uma porção de netos emprestados que o chamam de vovô. Vive comprando doces e presentinhos em troca de um sorriso e um abraço.<br />Para ocupar o tempo, está sempre inventando coisas para fazer, seja reformar o jardim ou trocar o encanamento do banheiro da casa em que crescemos e que dividiu com minha mãe até ficar viúvo. Uma casa cheia de lembranças, onde o mesmo carrilhão marca a passagem do tempo, soando a cada quinze minutos.<br />Outro dia, descobriu que as portas estavam infestadas de cupim. Decidiu contratar um<br />profissional para pintar a casa. O homem andava ocupado com outro serviço. Enquanto esperava a vez, pintou dois cômodos.<br />Pouco a pouco, vai se desfazendo de documentos e objetos guardados nas últimas décadas. Para ele, são coisas inúteis. Como sabe que eu gosto, e porque me causam boas lembranças, traz de presente balões de vidro, balanças e aparelhos antigos, como o microscópio que o vi usar em seu laboratório de análises, de onde tirou o sustento e a educação da família.<br />Ele me ensinou a andar de bicicleta. A empinar papagaios. A não ter medo de nada nem de ninguém. A respeitar as pessoas. A ter respeito por mim. A sentir alegria de viver, acima de qualquer coisa. Porque, assim como os momentos bons, os ruins também passam.<br />Ficou sem pai aos três anos. Lutou pela vida. Algumas vezes ganhou. Outras, perdeu. Enterrou uma filha. E minha mãe, depois de uma longa doença, poucos meses antes de comemorar bodas de ouro. Ficou perdido. Levou dois anos para se despedir. Distribuiu suas roupas e objetos pessoais, mandou ampliar fotos das várias fases da vida da moça que conheceu aos 18 anos. Quando acabou, reproduziu as mesmas imagens em tela, que passou a pintar compulsivamente até preencher todas as paredes da sala. Só então deu por completa a cerimônia do adeus. E acordou de novo para a vida. Sem lamentos.<br />Cuida do pé de pitanga, distribui mudas de orquídeas, poda as roseiras do jardim que eles plantaram juntos e que florescem todos os anos.<br />O mundo seria bem outro se todos tivessem a sorte de ter – ou ser – um pai assim.<br />Crônica publicada na Coop Revista - Setembro / 2007 </div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-16143730466798110602009-06-25T06:55:00.001-07:002009-06-25T06:56:54.849-07:00Igualdade feminina<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbo6Zgi_UItmYk3UnFGIESdJXE0UrEZQIqWRoIalYKazTtbzIRPxnUIxPMQkH17JUepMn5MfrB_NnEMxj1VoaL16hIQBbOArIvDhIwrM6m_6i6Cc1qOmoCSkZcjTPu-9eG1flKHUunP5c/s1600-h/crnica-AGOSTO2007.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351263563538532546" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 310px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbo6Zgi_UItmYk3UnFGIESdJXE0UrEZQIqWRoIalYKazTtbzIRPxnUIxPMQkH17JUepMn5MfrB_NnEMxj1VoaL16hIQBbOArIvDhIwrM6m_6i6Cc1qOmoCSkZcjTPu-9eG1flKHUunP5c/s320/crnica-AGOSTO2007.jpg" border="0" /></a><br /><div><br />Igualdade feminina</div><div>Lucia Sauerbronn<br />Entretido com o desfile que passava na TV da plasma do shopping, meu marido nem reclamou do tempo que demorei para comprar um par de meias. Estava entusiasmadíssimo com a grande sacada do estilista:<br />- Olha só! Ele trocou aquelas modelos magrelas por mulheres maravilhosas. O desfile está demais, as roupas caem muito melhor em cima dessas curvas!<br />Curvas?, estranhei. Desde quando modelos de 1,75 m e 45 kg têm curvas? Pelo que via, aquelas eram as mesmas modelos de sempre. A diferença é que a TV de plasma era tão grande que distorcia a imagem uns 30% na largura. As mulheres por quem ele babava continuavam a ser modelos anoréxicas de três arrobas. Só que, com 30% de gordura virtual, pareciam adolescentes magras de 1,75 m e 60 kg!<br />Não adiantou meu esforço para ele cair na real. Distraído, meu marido pode ser. Mas de bobo não tem nada. Liberou o cartão de crédito e sugeriu que eu fosse dar mais uma voltinha no shopping.<br />Suspirei e fui destilar a amargura na livraria, olhando revistas femininas. Havia uma centena delas. Achei esquisito não encontrar nenhuma cantora ou atriz famosa nas capas. Pelo contrário, as mulheres pareciam iguais, como se tivessem saído de uma linha de produção de bonecas. De idade indefinida, todas tinham pele lisinha, sem rugas, pés de galinha, manchas, espinhas, marcas de expressão. Os corpos eram perfeitos, nenhuma gordurinha localizada, estria, celulite... Apesar da cinturinha de pilão e pele de pêssego, consegui reconhecer Hebe Camargo. Pelo tamanho das jóias!<br />Fiquei deprimida. Pensei no tempo que gasto todas as noites para limpar, tonificar, nutrir e hidratar a pele. Meu primeiro impulso foi correr até o banheiro e atirar pela janela todos os potes de creme da pia. Abrir a geladeira, encher a cara de bolo de chocolate, sorvete, chantilly e deixar o tempo fazer seu trabalho.<br />Era covardia. Nem com litros de botox, centenas de injeções de colágeno e aplicações de laser; mesmo que me alimentasse só de alface e água, varasse as noites malhando na academia e entregasse o corpo aos melhores cirurgiões plásticos do mundo, nunca mais me atreveria a sair de casa se não fosse de burca.<br />Antes que tivesse tempo de morrer sufocada pela inveja, lembrei que, desde que aquela jogadora de basquete de beleza duvidosa arrasou nas páginas da Playboy, não se pode confiar em fotografias. Um cliquezinho de mouse aqui, outro ali, os computadores conseguem eliminar até papada de atriz veterana na novela das oito.<br />Acho que a tecnologia é legal. Televisão vive de imagem. E, se eles encontraram um modo de dar uma mãozinha à natureza, vá lá. Mas e nós, pobres mortais do sexo feminino, seremos obrigadas a nos recolher diante da nossa humilde condição precária diante do espelho?<br />Somos de carne e osso (ainda que nem sempre nas melhores proporções). A comparação é injusta e nos transforma num bando de mulheres em busca de uma auto-estima que não está na balança nem na mesa de cirurgia.<br />Hoje, qualquer adolescente vive infeliz porque descobriu uma ruguinha, uma sombra de celulite, e daria qualquer coisa para emagrecer 15 quilos. Até as famosas pelo corpo escultural, em busca desse tal padrão de beleza, perderam as curvas. E o interesse dos homens.<br />Como se já não bastassem as próteses de silicone, a chapinha e as lentes de contato, a medicina estética anuncia a descoberta de pílulas para eliminar gordura e tratamentos com células-tronco, que tanto podem mudar o formato do quadril como barrar o processo de envelhecimento. Dentro de alguns anos vamos ser todas iguaizinhas à Barbie!<br />Olhei para o meu marido sentado no banco diante da TV. Meia dúzia de marmanjos espiava o desfile. Para eles, não fazia a menor diferença se aquelas mulheres de proporções perfeitas eram obra divina, distorção de imagem ou resultado da mais alta tecnologia em computação gráfica. E nem isso seria motivo para abandonar as próprias mulheres e suas imperfeições. Cabeça de homem não vê estria, vê fantasia. Baixinha, gordinha, dentuça, até a Mônica tem seu Cebolinha.</div><div>Crônica publicada na Coop Revista - Agosto / 2007</div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8820095548741541799.post-21062436346622666942009-06-25T06:49:00.000-07:002009-06-25T06:55:11.222-07:00O vendedor de biju<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSGU9857BYm_YX-5kbdkfvxK1Zo-0ZdCMscxmg8LwMxhS9_LdQf2XEC94Uuv0AdFjjqEU9DvWj5tr_DcijWngm-_jbnRp-1MGrpVBX541zNB92nDWH2j9TQ5pTrtSaR5hd-XraLqVJAac/s1600-h/cronica-julho2007.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5351262844219613906" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 233px; CURSOR: hand; HEIGHT: 287px" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSGU9857BYm_YX-5kbdkfvxK1Zo-0ZdCMscxmg8LwMxhS9_LdQf2XEC94Uuv0AdFjjqEU9DvWj5tr_DcijWngm-_jbnRp-1MGrpVBX541zNB92nDWH2j9TQ5pTrtSaR5hd-XraLqVJAac/s320/cronica-julho2007.jpg" border="0" /></a><br /><div><br />O vendedor de biju</div><div>Lucia Sauerbronn<br />A fila da balsa era grande. A paciência, pequena. O calor, exagerado. Eu tinha sede. Muita sede. Ambulantes vendiam cocada, bananada, paçoca, amendoim. Água que é bom, nada. Tinha acabado. Até o estoque dos bares. Foram buscar noutra cidade. Vinte minutos de ida, vinte de volta. E eu não era camelo. Sabe como é, eles explicavam. Fim-de-semana esticado, sem previsão de trovoada nem chuvisco...<br />O que é que eu tinha de inventar de ir à praia? Porque o mundo inteiro tinha resolvido ir à praia?<br />O vendedor chegou de mansinho. Assustei. Ele pediu desculpas. Eu, água. Não tinha. Tinha biju.<br />Naquele calor de cão, a última coisa que eu precisava era biju enxugando as últimas gotículas de saliva da garganta ressecada. Não, obrigada.<br />Ele compreendia. Num calor daqueles, casquinha de biju não gruda só na garganta. Se cai na pele suada dá uma coceira danada. Por isso ele gostava de ensinar como comer biju sem deixar cair as migalhas.<br />A senhora rasga o saquinho fazendo com corte reto na parte de cima. Assim. Depois sopra dentro como se fosse um balão. Aí coloca debaixo do queixo. Pronto! Todas as migalhas caem dentro do saquinho.<br />Fiquei tão atenta em acompanhar a explicação da bandeja improvisada que, quando dei por mim, tinha comido um biju inteirinho.<br />O gosto do biju me trouxe boas lembranças. Quando criança, o clec-clec da matraca do bijuzeiro era o sinal para eu chacoalhar meu cofrinho em forma de porco. Tirar umas moedas a tempo de alcançar o vendedor. Quase pude ouvir minha mãe gritando da porta para eu ir devagar. E não atravessar a rua. Distraída, aceitei o segundo biju. Estava delicioso.<br />Enquanto mastigava o terceiro, ele explicou que aquele não era um biju qualquer. Tinha sabor especial. Além de ingredientes selecionados e muita higiene, era feito com amor. Ele mesmo preparava, seguindo a receita que aprendeu com a avó. Uma massa à base de açúcar, farinha e água, assada como panqueca bem fina, depois enrolada. E me ofereceu mais um. Estava crocante.<br />Asso de madrugada e espero esfriar bem antes de pôr no saquinho. Se abafar, fica chocho. Pior que biju abafado só biju passado. O meu é sempre fresquinho. Direto do produtor para o consumidor.<br />Gostoso mesmo, concordei. E aceitei o quinto.<br />É tão bom que vendo tudo no mesmo dia.<br />Olhei para o saquinho de migalhas. Segundo ele, do biju nada se perde. As migalhas que viram paçoca. Em pedaços, é bom de mergulhar no leite adoçado. Amassadinho como farofa, torna o sorvete e a salada de frutas mais gostosos.<br />Tenho três mil clientes, turistas, gente com casa na ilha. Eles não passam por aqui sem levar pelo menos um pacote. O que comprova a qualidade do meu produto.<br />Alguém chegou com a água. Quase de um único gole, tomei toda a garrafa, que ele mesmo abriu:<br />Cortesia da casa, para virar freguesa. A senhora é minha cliente 3001!<br />Olhei para ele. Fora a roupa branquinha, seu aspecto era o mesmo de todos os ambulantes e pedintes, que exageravam a cara de coitados. Compra para ajudar minha família (eu nem conheço!). Compra porque eu estou desempregado (e se eu estiver também?). Pelo menos estou vendendo, não roubando (mas a esse preço?). Argumentos que exploram nossa compaixão e levam a comprar por puro sentimento de culpa.<br />Ele, não. Era um estrategista. Um homem de marketing.<br />Não pude deixar de pensar. Se aquele rapaz tivesse recebido o que toda criança merece – alimento, saúde, casa, escola, família estruturada –, dentro de poucos anos seria um dos mais festejados publicitários do país. Lamentei a quantidade de talentos que o Brasil perde. Crianças esquecidas em bairros miseráveis como aquele, sem chance de futuro.<br />A balsa chegou. Antes de embarcar, fiz as contas. Seriam seis pessoas em casa. Um pacote para cada um, mais o que comi, sete.<br />Não, a senhora só paga seis. O primeiro foi demonstração.<br />Paguei. Agradeci. Sorri. E ele nem cobrou pela aula de marketing. </div><div>Crônica publicada na Coop Revista - Julho / 2007</div>Lucia Sauerbronnhttp://www.blogger.com/profile/17427198835686919454noreply@blogger.com1